O equilíbrio perfeito da Lei

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Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus. (Romanos 7.4)

A Lei de Deus sempre foi abordada por três perspectivas diferentes, sendo duas delas meras deturpações. A primeira é o legalismo. Nessa, os homens acrescentam regras ou funções à lei de Deus, preceitos que não foram passados pelo Senhor, mas são frutos do coração endurecido e cheio de justiça própria dos homens. Para os legalistas, a obra de Cristo é colocada em segundo plano e o que está em evidência é a capacidade do próprio homem.

A segunda forma é a libertinagem. Aqui, os homens desprezam a lei de Deus que é boa, perfeita e agradável, para dar vazão aos seus pecados sem que sua consciência os acuse. O caráter de Cristo é deixado de lado, não levando em conta que a lei é um reflexo dele.

Há, todavia, uma terceira forma. O equilíbrio perfeito entre a graça e a justiça, o amor e a ira, a misericórdia e a condenação. A carta de Paulo aos romanos nos apresenta esse equilíbrio perfeito dos mandamentos. No sétimo capítulo, ele fala da Lei de Deus em todos os seus aspectos. A incapacidade de ela nos salvar, junto com beleza daquilo que aponta para o seu Criador. Em seu estilo bem característico, o apóstolo faz uma pergunta retórica àqueles que ainda não entenderam o papel da lei.

Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Romanos 7.1. A expressão “conhecem a lei” é mesma utilizada no capítulo 2 para se referir aos judeus, no caso representando os legalistas. Tal pergunta não necessita de resposta. O público-alvo desse questionamento, sem antecipar o argumento que o segue, concordaria com fervor. Só nos resta saber a qual lei o texto se refere.

O artigo definido “a”, que precede a palavra “lei”, não existe no grego. A declaração do primeiro versículo não fala especificamente da relação do homem com a Lei de Deus, mas com uma lei genérica dos homens. A analogia do casamento, que segue nos versículos 2 e 3, exemplifica bem tal interação.

Ora, a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se ele morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. De sorte que será considerada adúltera se, vivendo ainda o marido, unir-se com outro homem; porém, se morrer o marido, estará livre da lei e não será adúltera se contrair novas núpcias. (Romanos 7.2-3).

O texto não intenciona falar de casamento, mas da relação do homem com a lei. Se é fato que a lei governa o homem durante toda sua vida, a partir do momento em que ele morre, esse governo acaba. Não existe morto que responda à lei, não importa quão grande seja sua exigência.

A morte livra a pena da pessoa condenada à prisão perpétua. Um morto não irá pagar uma dívida ou se apresentar diante do juiz para o julgamento. Nada se pode fazer com um morto. Da mesma forma, um morto não irá reclamar seu direito sobre sua casa, seus filhos, ou mesmo sua mulher.

Mas esse mesmo raciocínio é válido para a Lei de Deus? Vejamos como segue o texto: Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus. (Romanos 7.4).

É natural se levantar a pergunta: para qual lei morremos? Existem três tipos de lei no Antigo Testamento: a lei moral, que é eterna e reflete o caráter de Deus; a lei cerimonial, que apontava para Cristo e foi cumprida e abolida por Ele; e a lei civil, endereçada exclusivamente para o Estado de Israel, sendo um padrão moral de equidade coletiva.

Dizer que morremos para a Lei moral é dizer que ela não representa o caráter de Deus, ou que seu caráter mudou. Também não morremos para as leis cerimoniais, uma vez que elas foram cumpridas plenamente em Cristo e já não existem mais. Nesse caso, quem morreu foi a lei, não nós. O mesmo ocorre para as leis civis, tendo em vista que não fazemos parte da nação teocrática de Israel.

Paulo se refere ao cumprimento lei como o padrão moral para nos apresentarmos diante de Deus. A lei é santa, justa e boa. Ela é o reflexo de quem Deus é. Para sermos dignos diante de Deus, nós deveríamos cumpri-la com perfeição em sua totalidade. Ao falharmos, o cumprimento da lei é a condenação.

Para essa lei morremos! Aquele que morreu em Cristo não precisa mais se apresentar diante de Deus com o que cumpriu ou não da lei. Ela não o domina mais, pois ele foi crucificado juntamente com Cristo. Cristo pagou e ele morreu! Seu Senhor é outro, seu marido é outro. Aquele que morreu para a lei, casou-se com Jesus.

Se os legalistas perderam a base de seu argumento, é importante ressaltar que o libertino tampouco tem onde se agarrar. Assim como o prazer de um recém-casado está em seu cônjuge, o cristão, liberto da lei, tem prazer na lei e nela medita dia e noite, pois ela é o reflexo do caráter de Cristo e não há nada que o cristão ame mais do que a Ele. Charles Smith, um pastor norte-americano, comenta: “pelo amor de Cristo, eu não faria algo que causasse a queda de um irmão mais fraco.

Por amor a Cristo, casado com Cristo, agora unido a Cristo nessa nova relação com Deus na nova aliança através de Jesus Cristo, não significa que estou livre para me entregar à minha carne. Longe disso. Significa que estou agora vinculado por uma lei ainda maior, a lei do amor. A lei do amor por Jesus Cristo”.

Ainda que o cristão tenha morrido para a exigência do cumprimento perfeito da lei para sua justificação, ele não morreu para a exigência da santificação. Toda vez que a Palavra fala que morremos em Cristo, também fala que com ele vivemos para uma vida santa e frutífera (2Co 5.14- 15; Gl 2.19-20; Rm 6.6-8). Nós agimos de acordo com a vontade daquele a quem pertencemos. Porque, quando vivíamos segundo a carne, as paixões pecaminosas postas em realce pela lei operavam em nossos membros, a fim de frutificarem para a morte. Romanos 7.5.Não que a lei seja má. Jamais! A questão é que quando somos confrontados com o que é bom, entendemos o quão mau somos. Posso achar que sou um excelente jogador de basquete, quando jogo entre amigos. Porém, terei certeza de que não sou bom se for colocado para disputar a NBA com jogadores profissionais.

Talvez eu olhe para a penitenciária e me julgue uma pessoa boa, ou com um bom domínio próprio. Mas se comparado a Cristo e ao padrão que Ele estabeleceu, ficará evidente o pecado que há em mim Debaixo da lei, são produzidos frutos para a morte, pois a lei desperta as paixões dos pecados de cada um. Quanto mais próximos da lei, mais o pecado ficará evidente, e o fato de ser impossível se apresentar diante de Deus por seus méritos fica cada vez mais claro. Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos em novidade de espírito e não na caducidade da letra. (Romanos 7.6).

Agora não temos a obrigação de cumprir a lei para nos apresentarmos diante de Deus. Estamos livres dessa obrigação, tanto quanto quem morreu está livre de cumprir qualquer lei. Hoje o Espírito de Deus habita em nós e colocou em nós o amor por Cristo e pela Sua lei. Hoje o que mais queremos é servi-lo conforme a lei. Cumprindo-a, porque desejamos e temos relacionamento com Cristo, não porque confio no cumprimento da lei para salvação.

Não se trata de um relacionamento legalista com Deus, sufocado pela nossa consciência, por não sermos capazes de a cumprirmos. Tampouco esquecemo-nos do relacionamento com Deus, com a consciência cauterizada, mergulhados na pseudoliberdade que é a prisão do pecado. Hoje, ressuscitados com Cristo, temos a Sua vida, temos comunhão. Nosso relacionamento tem como base o amor de Cristo por nós.

Nesse novo relacionamento geramos frutos. Somos santificados, porque o Filho de Deus vive em nós. Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado; permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. João 15.3-5.

O papel da lei jamais foi salvar. Ela é uma declaração do caráter de Deus. Acrescentar algo à lei de Deus, seja nas suas ordenanças ou no seu alcance, é uma deturpação chamada legalismo. Nele não há vida, nem esperança, apenas morte.

Mas nós não morremos em Cristo para podermos praticar o que a lei condena. Se acrescentar algo à lei é legalismo, retirar é libertinagem. Nossas ações são evidências do que há em nosso coração. Se nossas práticas são más e sem arrependimento, é porque nosso coração não foi de fato trocado pelo Senhor.

Somente em Jesus Cristo encontramos o equilíbrio perfeito da Lei. Nele vemos a graça derramada imerecidamente na cruz, mediante a Sua morte, junto com o justo pagamento da transgressão da lei. Ele é o amor de Deus enviado ao mundo para aplacar a ira do Pai. Jesus é a eterna misericórdia demonstrada aos séculos vindouros tomando em seu próprio corpo a condenação que pesava sobre nós.

É  pela nossa morte e ressurreição, juntamente com Cristo, que vivemos os mandamentos em pleno equilíbrio. Morremos em Cristo para a lei, a fim de vivermos em Cristo para Deus, em conformidade com a Sua Lei.

Por Bruno Azem

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