Lula revogou a isenção de Bolsonaro?

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Os primeiros dias deste Ano Novo foram de susto e inquietação especialmente para o mundo evangélico. Tudo começou com a notícia de que o governo Lula revogou a isenção que as igrejas ganharam no governo Bolsonaro sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido que incidiria sobre a prebenda dos ministros de confissão religiosa. Será que aconteceu mesmo isso?

O que se tem visto desde então é uma enxurrada de palpites e até acusações de perseguição religiosa etc., mas como bacharel em Direito e profissional que milito no mundo da contabilidade de igrejas há tantos anos, sinto-me no dever de trabalhar com a verdade, sem medo de desagradar qualquer orientação política de esquerda, de direita, de centro, de cima, de baixo, de um canto ou de outro.

A primeira coisa que eu preciso esclarecer é que o Bolsonaro não criou uma isenção para as igrejas e o Lula também não revogou isenção alguma. Como assim?

Qualquer aluno do primeiro período da faculdade de Direito aprende o significado da pirâmide de Kelsen. No topo da pirâmide temos a Constituição Federal e na base vemos as Portarias e Normas Individuais.

É importante ter essa pirâmide em mente porque as normas da parte de baixo da pirâmide só podem regulamentar as normas hierarquicamente superiores. Um decreto não pode contrariar a lei que ele regulamenta.

Muito embora recentemente tenhamos vivido situações muito estranhas como a representada nessa versão satírica da pirâmide de Kelsen durante a pandemia, vamos voltar à pirâmide de Kelsen original.

O Bolsonaro não criou a isenção para as igrejas. Quem criou a isenção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre a prebenda do ministro de confissão religiosa foi a Lei nº10.170/2000. Ou seja, essa lei foi sancionada pelo Fernando Henrique Cardoso e não tem nada a ver com Lula ou com Bolsonaro.

Aliás, a lei não foi revogada agora. Ela continua vigendo. Para resumir, essa lei modificou a Lei nº8.212/1991 para dispensar as instituições religiosas do recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre o valor pago como prebenda aos ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa.

Notem que eu disse prebenda, porque se a igreja decidir assinar a carteira de trabalho dos ministros, aí sim, ela será obrigada a pagar a contribuição previdenciária.

Mas, então, o que está gerando todo esse ruído?

Durante o governo Bolsonaro, o Secretário da Receita Federal emitiu o Ato Declaratório Interpretativo nº1, em agosto de 2022, que não criou nenhuma norma ou regulamento. Ele apenas fixou alguns critérios interessantes sobre a isenção. Por exemplo, dizia que não havia problema algum no fato de a igreja pagar prebendas diferentes aos seus ministros, desde que pudessem ser justificadas em função de critérios como antiguidade, grau de instrução, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio.

Notem que mesmo esse Ato Declaratório não abria qualquer brecha para remunerações variáveis em função de critérios como performance ou arrecadação, o que nos últimos anos gerou autos de infração milionários e fez com que a reputação de muita igreja boa sofresse por atos que veementemente condenamos e são punidos por conta de confusão patrimonial, desvio de finalidade e até mesmo distribuição disfarçada de resultados.

Notem que um Ato Declaratório sobre a interpretação é o que chamamos de uma norma individual dirigida apenas aos fiscais da Receita. Ela não cria nem revoga isenção alguma. A bem da verdade, o ato tomado durante o governo Bolsonaro foi bastante positivo porque reduziu o espaço para interpretações antagônicas. Isso reforça a segurança jurídica.

E o que o novo Secretário da Fazenda no Governo Lula fez no último dia 15 de janeiro deste 2024? Apresentou o Ato Declaratório Executivo nº1 para suspender a execução do ato que acabamos de comentar. Ele colocou algo no lugar que prejudique diretamente as igrejas? Não, mas certamente abriu espaço para que fiscais prejudiquem igrejas ao, interpretar, por exemplo, que os ministros de confissão religiosa teriam de ter a mesma prebenda se exercerem o mesmo posto, servindo-se de critérios da legislação trabalhista.

Isso estaria correto? Novamente não! Pode ser que isso aconteça? Pode e por isso as organizações religiosas precisam ficar atentas.

Portanto, caros leitores, não há motivo para desespero. A lei é a mesma desde os tempos do Governo Fernando Henrique. Igrejas não precisam pagar contribuição previdenciária sobre a prebenda, desde que a prebenda não tenha a sua natureza desvirtuada. Nada mudou!

O ministro religioso continua sendo contribuinte individual obrigatório da Previdência, pelo valor por ele declarado, na condição de equiparado a autônomo.

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Jonatas Nascimento, diácono. Autor da obra Cartilha da Igreja Legal. WhatsApp: (21) 99247-1227. E-mail: jonatasdesouzanascimento@gmail.com

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