Este título nada tem a ver com nossos irmãos congregacionais, mas, ao usá-lo, tenho em mente as igrejas que abraçaram a teologia neopentecostal. Porquanto, tais doutrinas fazem exatamente o oposto do que Jesus nos ordenou, isto é, ao invés de promoverem o amor a Deus e ao próximo, incentivam o amor próprio acima de tudo. As pessoas são motivadas a ir à igreja, não para cultuar, mas para buscar o “seu” milagre, a solução para o “seu” problema. Ninguém quer saber quem está ao seu lado, e muito menos qual problema ele tem, o importante é receber a bênção. Os cânticos e a pregação são apenas parte do ritual, não são tão relevantes, pois o foco está no ponto alto que é o ritual de concessão de bênçãos e expulsão do mal.
Nesse contexto, quem não recebe as bênçãos é porque não tem fé suficiente ou, como diriam os amigos de Jó, está em pecado. Entretanto, esse argumento esbarra em inúmeras dificuldades. Por exemplo, segundo a práxis neopentecostal, o milagre tem local, dia e hora marcados, ou seja, para receber a bênção a pessoa precisa ir a uma igreja, participar de um culto destinado à realização de milagres (no culto dos milagres, das causas impossíveis, da vitória, etc.), participar do ritual e receber uma oração do pastor, de preferência, aquele que aparece na TV. Ora, a pessoa que cumpre todos esses requisitos já mostrou que possui a fé naquilo que está sendo realizado. Pois os que não creem nisso, como eu, nem comparecem a essas reuniões. Como pode o líder transferir a responsabilidade para o fiel? Não seria mais honesto assumir a postura bíblica de que Deus é plenamente livre? Como diz o apóstolo João, em 1Jo 5.14: “e esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve.” Entretanto, isso é feito para que a imagem do líder, como todo-poderoso, não seja maculada. O mérito é sempre dele, mas o demérito é do fiel.
Ter pouca fé é achar que quando enfrentamos dificuldades Jesus não está conosco (Mt 8.23-27), ou que não se importa conosco. Ter pouca fé é crer num deus que se sujeita a nós, que nós mandamos e ele cumpre. O Deus ao qual eu sirvo faz todas as coisas segundo a sua soberana vontade (Ef 1.11). Crer nisso é, de fato, ter fé. Jesus nunca marcou hora, data e lugar para realizar milagres. Estes, na verdade, foram realizados espontaneamente no seu dia-a-dia. Aliás, a maioria dos prodígios de Cristo não ocorreu nas sinagogas ou no templo, como ocorrem hoje. Ele os realizava no mar (Lc 5.1-11), nas casas (Mt 8.14,15), na rua (Mt 9.20-22), etc.
Vale ressaltar também que tais crenças fomentam uma animosidade em relação ao outro. Nossos inimigos deixam de ser os principados e potestades, os príncipes das trevas deste século, ou as hostes espirituais da maldade (Ef 6:12), e passa a ser o próximo, a quem eu devo combater, pois ele pode lançar sobre mim palavras de maldição, inveja, olho grande, macumba. É sobre ele que eu preciso triunfar, tenho de vê-lo na plateia enquanto eu estiver no palco. Que coisa horrível! Isso é ser cristão? E o amor? Onde fica? Se me lembro bem, Jesus nos ensinou que seríamos reconhecidos como seus discípulos se nos amássemos uns aos outros (Jo 13.35), e que deveríamos amar até nossos inimigos (Mt 5.44). Ademais, a Bíblia assevera que nossa luta não é contra pessoas, mas contra as forças espirituais do mal (Ef 6.12). Não precisamos de rituais, de amuletos ou de líderes superpoderosos, precisamos amar mais.
Outro pensamento que provoca medo e alimenta o desamor, é a ideia de que há lugares que não podemos ir porque são amaldiçoados. Segundo alguns, se formos lá, nos contaminaremos com as maldições ali existentes. Parece que a terra não é mais do Senhor (Sl 24.1)! De acordo com essas pessoas, há mais lugares que pertencem ao diabo do que à Deus. Pensando assim, muitos deixam de visitar pessoas porque elas residem em uma localidade “amaldiçoada”, como um centro de macumba, por exemplo. É óbvio que isso é um trabalho para o “Super Ungidão do Senhor”. Este pode fazer qualquer coisa, expulsa demônios, realiza milagres e traz revelações dos altos céus. O simples fato de tocar em suas vestimentas já concede a bênção de que se necessita. Diante desse indivíduo, um mero pastor, pregador do Evangelho fica diminuído, é visto como um fracassado. Afinal, sua igreja tem poucos membros, ele não realiza milagres, não advinha o futuro e não realiza rituais. Em suma, é um zé ninguém. É basicamente esta a mensagem transmitida por um pentecostal ou neopentecostal quando alguém afirma que é membro de uma igreja “tradicional”. A pessoa é vista como uma pobre coitada.
A segregacional também ensina que há objetos que não podemos usar e, nem ao menos, tocar, porque foram consagrados ao demônio. Isso faz com que muitos presentes sejam recusados. Às vezes, o objeto foi dado por um crente! Mesmo assim, a pessoa recusa. Por conta disso, há quem fique inspecionando os objetos para ver se encontra símbolos satânicos ou qualquer outro indício de que o capeta está por perto. Isso acontece até com alimentos. Meu irmão, esse capeta tá em tudo quanto é lugar! Tá em roupas, cordões, comidas, casas, palavras. De acordo com esse pensamento, ele nos cerca por trás e pela frente! O problema é que, segundo a Bíblia, quem faz isso é Deus (Sl 139.5). Satanás não entra em objetos. Nunca vi na bíblia uma comida endemoninhada, uma casa mal assombrada, um objeto amaldiçoado. Amado, a Bíblia diz que “aquele que é nascido de Deus, o maligno não toca” (1Jo 5.18). Não precisamos ter medo dessas coisas. Por causa desse pensamento deturpado, muitas pessoas são magoadas, pois decidiram presentear com todo amor, mas tiveram seu presente recusado, porque o diabo estava nele. Não consigo lembrar de um episódio sequer em que Jesus agiu assim.
Essas doutrinas causam mais medo e dependência do que outra coisa. Parece até que vivemos no paganismo, pois para os pagãos o mundo ao seu redor era encantado, sendo habitado por duendes, fadas, espíritos da natureza e outros seres fantásticos. Naquele contexto, havia objetos amaldiçoados, lugares dominados por espíritos maus, palavras mágicas e rituais que concediam benefícios aos que os realizavam. Viu alguma semelhança? Pois bem, aí está a razão da fé de muitos.
Vivamos o Evangelho genuíno, não esse Evangelho pirateado, made in hell, coloquemos em prática o amor que Cristo tanto nos ensinou, mudemos a ordem dos pronomes que usamos. Comecemos com Ele (Deus), em seguida foquemos o Tu (o próximo) e só então nos voltemos para o Eu (nós). Compreender isso e por em prática é a única maneira de vivermos a felicidade que Cristo nos anunciou.
Pr. Cremilson Meirelles