Me lembro daquela antiga canção “Domingueiro nunca queira ser!”. O refrão era bem interessante: Domingueiro nunca queira ser No domingo ele é santarrão Na segunda, terça, quarta, quinta e sexta, sábado Não é santo não!
Considerando o chamado de Je sus em Lucas 9.23 é possível notar um importante detalhe na expressão “a cada dia”, veja: “Se alguém quiser após mim, a cada dia negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me […]”. Isso é o mesmo que dizer diariamente.
Outro destaque nesse texto é a ex pressão “negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Sobre isso é possível ouvir comentários informando que devemos levar nosso “eu” e crucificá-lo, como Jesus mesmo foi crucificado. Mas falta a esse ensino algo importante, pois, depois de sua crucificação e morte, Jesus foi sepulta do e ressuscitou nos dando nova vida. E o apóstolo Paulo nos ensina que “fomos sepultados com ele na morte […] a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos […] também nós andemos em novidade de vida”. Em outras palavras, tomar a nossa cruz e seguir a Jesus em seu chamado significa ir mais longe do que apenas a “mortificação do nosso eu”.
Com tudo isso em mente é possível deduzir que, quando decidimos seguir a Jesus por meio de nossa conversão, a trajetória de nossa vida segue o de safio da construção de uma nova vida. E isso vai mais além do que apenas esperar que Jesus um dia venha para que alcancemos a “Nova Jerusalém”.
O missiólogo Christopher Wright, no livro “A missão de Deus”, nos mostra que o Evangelho vai mais longe, pois “nossa tendência de reduzir o evangelho a uma solução para o problema do nosso pecado individual e a um cartão magnético para abrir a porta do céu, de modo que substituiremos essa impressão reducionista por uma mensagem que tem a ver com o reino cósmico de Deus, em Cristo, que, no final, erradicará o mal do universo de Deus e resolverá nosso problema de pecado individual, obviamente”. Mas além disso, podemos também estar alimentando um tipo de vida segmentada entre o secular e o sagrado, entre o público e o privado, quando vivemos um evangelho de final de sema na, considerando apenas as atividades envolvidas na vida da Igreja.
E tem mais, em geral dizemos “vamos à igreja!”, mas Jesus morreu por algum prédio, móveis, equipamentos? Ou morreu e ressuscitou por nós, pessoas decaídas e necessitadas de restauração? Quando dizemos que vamos à igreja, em vez de pensar, dizer e agir como igreja onde estivermos, pode remos estar reforçando essa ideia de “crente de final de semana”. É claro que quando estamos reunidos como igreja, seja onde for, em um templo, em um acampamento, ou, em países com perseguição religiosa, no cam po, estaremos reunidos como povo de Deus para adorá-lo, para estimular nossa comunhão. Mas quando cada um de nós estiver espalhado, seja no trabalho, seja na escola, no trânsito etc. estaremos como igreja.
Jesus fez um “upgrade” na concepção de habitação de Deus quando dialogava com a mulher samaritana afirmando que, a partir daquele momento, Deus estaria procurando verdadeiros adoradores (Jo 4). Então, em vez de ir à igreja para nos encontrarmos com Deus em um dia da semana, todos os dias ele estará em nós e conosco como igreja onde estivermos, juntos em adoração e serviço mútuo como igreja ou como igreja espalhada onde estivermos, influenciando o meio ambiente em que vivemos, sendo sal, luz, embaixadores.
Essa visão neotestamentária nos coloca na vida em um desafio 24/7/365, isto é, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, e todos os dias do ano, em vez de sermos crentes apenas um dia por semana.
Já escrevi diversos artigos aqui nesta coluna demonstrando a igreja como nova humanidade. E isto aponta para o fato de que a salvação nos posiciona em outra dimensão da vida e reposiciona nosso projeto de vida pessoal, profissional, familiar, social e tudo o mais em que nela estamos envolvidos. Em I Coríntios 15 temos o ensino de que temos Adão como o primeiro homem (no texto grego an- thropos, humanidade, raça humana), isto é, a primeira humanidade, primeira raça de seres criados. Mas Paulo nos ensina que Jesus é o segundo homem (novamente no texto grego anthropos), isto é, a segunda humanidade, a raça dos seres recriados, recuperados.
Paulo prossegue nos ensinando que Adão também é o primeiro Adão (a primeira raça adâmica), enquanto Jesus não é o segundo Adão, mas o último Adão, isto é, aquele que encerra a raça adâmica, dando, portanto, início à nova humanidade. Por isso é que ele também ensina que se alguém está em Cristo é nova criação (II Coríntios 5.17) e, assim, a igreja é uma nova humanidade.
E, como nova humanidade nosso desafio é viver como ressuscitados em novidade de vida, não apenas como salvos portadores de um “cartão mag nético” que nos garantirá o acesso à porta da Nova Jerusalém.
Isso implica em ser cristão no do mingo, mas também nos outros seis dias. E por “ser cristão” aqui estou querendo dizer que é mais do que ter a doutrina certa, é mais do que ter um cargo nas atividades da igreja, é mais do que estar presente nas atividades da igreja, é mais do que contribuir pe riodicamente para a manutenção da obra do Senhor, é mais do que con tribuir para missões ou mesmo para a construção de edifícios, ou ainda para a obra assistencial; é mais do que chegar na hora nas atividades do minicais, é mais do que levar nossos filhos para a escola bíblica ou “cul- tinho”. Se pensarmos apenas nisso, seremos apenas crentes de um dia da semana.
Após a minha conversão o desa fio envolve tudo isso e nos leva mui to, mas muito mais longe. O desafio é muito mais “desafiador”, pois vou FAZER tudo isso e o desafio me levará a SER muito mais.
Em outros artigos tenho trazido uma palavra do missiólogo Ed Stetzer quando nos desafiou dizendo “Eu (e outros) usamos o termo missional para descrever uma vida moldada pela missão. Missional é o uso adjetival da palavra missão. Em outras palavras, se vivo uma vida missional, vivo uma vida moldada pela missão de Deus.”
Assim, posso concluir que, em outras palavras, se vivo uma vida missional, vivo uma vida moldada pela missão de Deus (m/ss/b Dei). Então, a partir de minha conversão, o meu projeto de vida é agora o projeto da missîo Dei e eu me entrego como ferramenta de Deus para que ele em sua missão de restaurar toda criação, inclusive o indivíduo, me tenha como seu instrumento.
Para ilustrar, vamos pensar em um tripé, em que se uma perna for retirada tudo desmorona. Vamos chamar de tri pé da m/ss/o Dei: anunciar verbalmen te + viver concreta e responsivamente + ser realmente cristão 24/7/365.
Normalmente, quando uma pessoa se converte, logo a ensinamos a ser um bom membro da igreja, frequenta dor dominical dos cultos, contribuinte, ler a Bíblia, orar etc. Mas o “seguir a cada dia”, o “ser nova humanidade” a coloca no padrão 24/7/365 como cristão onde ela estiver.
Ilustrando na prática. Um médico aceita as Boas Novas, a partir desse momento o seu projeto de vida será “reinicializado” (como fazemos com o celular quando não está funcionan do direito) com as novas “variáveis de funcionamento” (novos rumos, valo res éticos, nova cosmovisão etc.) à luz da missão de Deus em resgatar toda criação e criatura (Efésios 1). Tecnica mente ele continuará atendendo seus pacientes, fazendo cirurgias dentro das mais elevadas técnicas, e dará um toque mais do que especial no aten dimento aos seus pacientes, no aper feiçoamento de suas habilidades, no seu relacionamento profissional com o sistema hospitalar e médico à luz dos valores éticos cristãos, mesmo diante do sistema mercantilizado da Medicina, sendo sal, luz, embaixador do reino em seu ambiente de atuação, para que como viam o Pai quando viam a Jesus, possam ver Jesus quando ele estiver atuando em sua profissão, mas também em sua vida pessoal (João 14.8-10), por isso quem nos vê deve rá também, por meio do que somos e fazemos, ver aquele que nos enviou (João 12.45). A ilustração foi para um médico que se converte, e se aplica para uma dentista, um motorista, um pedreiro, não importa quem seja.
Em Atos 1.8 temos o desafio que nosso Mestre nos deu antes de partir: “Sereis minhas testemunhas” e só é possível ser dele testemunha se vivermos intensamente as Boas Novas, ser por elas transformado de modo a podermos discipular outros por meio e uma vida transformada e, assim, o discipulado vai ser muito mais do que transmissão de informações e ensino, vai ser como que uma “transfusão de vida”.
E, então, vamos superar o “ser crente de final de semana” para sermos nova humanidade no padrão 7/24/365?
Pr. Lourenço Stelio Rega – Eticista e Especialista em Bioética pelo Albert Einstein Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (Hospital Albert Einstein). Extraído do OJB.