Anjos não se suicidam

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Na Bíblia, os anjos são seres espirituais, portanto, eternos, dotados de muita beleza e leveza: os anjos flutuam, voam, migram e transmigram. Para os anjos, não tem tempo ruim: tempestade, furacão, tufão, terremoto, engarrafamentos etc. Dor de barriga?
Enxaqueca? Artrite? Artrose? Gastrite? Úlcera? Câncer? Problemas de coração? Nada! Nada disso afeta os anjos. Tampouco problemas familiares, como crises no casamento, educação dos filhos, contas etc. Necessidade de se programar e economizar para viajar, passear, distrair-se, conhecer novos lugares? Os anjos não têm problema com isso. Eles podem viajar para qual- quer lugar do mundo, do cosmos, contemplando as mais lindas paisagens, e isso sem precisar juntar milhas para comprar passagem de avião, trem, alugar carro ou despachar bagagem. Anjos não possuem passaporte; mesmo assim, não enfrentam qualquer tipo de problema na migração de qualquer país, até mesmo dos mais fechados do mundo. Passam livres e soltos, sem serem percebidos. Anjos não sentem medo, ansiedade, angústia, raiva ou ira, a não ser que sejam anjos do mal, ou seja, demônios. Nada pode tirar a paz e a serenidade de um anjo. Anjos são seres inatingíveis. Podem se assentar tranquilamente sob um formigueiro, como se fosse uma relva verdinha e fofa. Não sentem nada. Um outro aspecto muito significativo é que os anjos nunca são acossados pelo desejo sexual. Bem diferente dos seres humanos, que, em geral, alguns mais do que outros, possuem enorme dificuldade de lidar com os desejos sexuais — o que explica, mas não justifica, algumas das manifestações das obras da carne: imoralidade sexual, impureza, libertinagem, orgias, como ressalta o apóstolo Paulo na carta aos Gálatas (Gl 5.16, 19). Um anjo nunca — simplesmente nunca — se deprime, o que significa dizer que não enfrenta qualquer tipo de problema por conta do desequilíbrio da serotonina, dopamina, ocitocina, cortisol e tantos outros hormônios. Anjo pode comer e beber o que quiser sem se preocupar com açúcar no sangue ou colesterol, por exemplo. Anjo não precisa praticar qualquer tipo de exercício — por isso nunca se viu nenhum anjo malhando numa academia. Enfim, anjo não tem qualquer tipo de problema com a saúde física, emocional e muito menos com a saúde espiritual.

Pastor é anjo? Só se for anjo de asa quebrada. Pastor é gente, e por mais que ele queira ser anjo, nunca será. Pelo menos, nessa realidade. Quando falamos de gente, pessoa, falamos necessariamente de ser humano, o que não é uma coisa tão fácil de entender se considerarmos a questão filosófica, ontológica e teológica do ser. O que é o ser do humano? Essa conversa é boa, mas não cabe aqui. Fiquemos, por ora, com a colocação de Tiago, quando disse que “Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos senti- mentos [paixões]” (Tg 5.17). Dentre os fatos que conhecemos da história do profeta Elias, destacamos a forte depressão que ele passou, levando-o a desejar a própria morte (1 Rs 19.4). Não foi só Elias que, dadas as pressões da vida e do ministério, flertou com a morte. Diante do peso de liderar um povo cabeça dura e rebelde, Moisés, esgotado emocionalmente, disse para Deus: “Mate-me de uma vez” (Nm 11.14-15). Jonas também desejou a própria morte. Ele disse: “Agora, Senhor, peço que me tires a vida, porque para mim é melhor morrer do que viver” (Jn 4.3). Interessante que Jonas orou assim não por conta do fracasso do ministério dele, mas do sucesso da pregação dele em Nínive, quando toda a cidade se converteu. Esse negócio de ministério bem-sucedido, ministério glorioso, como falávamos na praça da “maledicência”, lugar de queixas e lamúrias dos seminaristas que cursavam o STBSB, é complicado demais. Quantos líderes estão sendo destroçados na vida espiritual, emocional, física, pessoal e familiar, por conta do famigerado sucesso?!

Dados estatísticos de organizações como Barna Research, Fuller Seminary e outros revelam o nível de comprometimento emocional de muitos pastores nos Estados Unidos da América, demonstrando que: “80% dos pastores se sentem inadequados e desanimados em seu papel”; “50% dos matrimônios pastorais terminam em divórcio”; “50% dos pastores estão tão desiludidos que, se pudessem, deixariam o ministério, mas não encontram outra forma de ganhar a vida”; e “70% dos pastores sofrem de depressão constantemente” (GUEVARA, Alfonso. Pastores de carne e osso). Anjo, anjo, não se mata. Mas, infelizmente, os dados apontam que alguns “anjos” de carne e osso estão se matando. Isso não acontece por conta do ministério. Ministério não mata ninguém. Mas penso que a forma como alguns anjos de asas quebradas estão lidando com o ministério, divinizando uma ação que tem caráter espiritual, mas que é humana, tem contribuído
para o adoecimento da saúde mental e, infelizmente, para o suicídio de alguns pastores.

O suicídio não é um fenômeno de fácil compreensão. Sabe-se que a maioria dos casos de suicídio tem relação com o agravamento da depressão. O problema, nesse caso, é que a maioria dos pastores que apresenta sintomas depressivos rejeita esses sintomas e não procura ajuda ou tratamento. Muitos agem desse modo com medo do juízo eclesiástico, que infelizmente existe. É assim que muitos pastores disfarçam o que estão sentindo, demonstrando uma alegria, uma esperança, uma disposição que, no fundo da alma, não existe. É o que alguns teóricos chamam de “depressão sorridente”. Anjos de verdade não se matam. Entretanto, infelizmente, alguns anjos de carne e osso, anjos de asas quebradas, estão atentando contra a própria vida, especialmente por conta do agravamento do quadro depressivo.

O que podemos fazer? É importante destacar que nenhuma doença pode ser vista fora do seu contexto. Nesse sentido, será que existem práticas eclesiásticas doentias que podem estar contribuindo para o desenvolvimento e o agravamento da depressão? Será que a igreja, enquanto hospital das almas cansadas e feridas, não está precisando de uma boa assepsia? Fica a reflexão.

Pr. Ailton G Desidério – Extraído do OJB.

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