Pastores ou influencers, ovelhas ou seguidores?

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A configuração do ministério pastoral tem passado por profundas transformações nos últimos 20 anos, especialmente com a ampliação da influência das redes sociais. Há quem mencione que já não existem mais pastores como antigamente.

Por outro lado, certa mente é possí­vel notar aspectos positivos, especial­mente o acesso a um amplo espaço de materiais para estudos para aqueles que desejam se aprofundar nos estu­dos da Palavra de Deus, da Teologia, da prática ministerial, bem como se manterem atualizados com notícias do cotidiano pelas redes sociais.

É notória a ampliação de membros de igrejas com formação universitá­ria. Há igrejas com bom número de profissionais liberais, executivos e microempresários que, certamente, são mais exigentes com relação ao atendimento, seja pelo púlpito, seja no âmbito do planejamento e gestão das atividades eclesiásticas. Mas também que necessitam de suporte quanto à sua vida profissional, familiar e social, que é vivida nos outros seis dias da semana diante de um mundo cada dia mais complexo, instável, frágil e exi­gente, que coloca em risco a fé e os valores cristãos.

Isso exige melhor e mais profunda preparação de quem está no pasto­reio para poder ter ferramentas para a análise do mundo contemporâneo, das tendências culturais e sociais que estão construindo novos cenários e trazendo mais complexidade ainda para sermos cristãos e cidadãos de um mundo temeroso e ameaçador. Assim, é necessário que o pastoreio se ocupe para além de manter os membros das igrejas apenas nas ocupações domi­nicais. Hoje se torna urgente buscar respostas bíblicas e práticas seguras para estes dilemas, mostrando às suas ovelhas a significação concreta do Cristianismo para suas vidas coti­dianas e que o Evangelho é mais do que uma mensagem que ofereça um cartão magnético para entrar no céu quando Jesus voltar.

E nem falam os da vida após a pandemia, em que os membros das igrejas que voltaram para o convívio eclesiástico, voltaram em geral “empoderados”, isto é, com o desejo de procurar por si mesmos as respostas para a vida, pois durante o isolamento na pandemia tiveram de buscar sozi­nhos respostas e atendimentos para a sua vida, sua família e muitos até tive­ram de pastorear sua família e mesmo enterrar seus mortos, sem a possível assistência pastoral, impedida pelo isolamento.

O pastoreio é uma atividade nobre, séria, que tem como destino prover o fortalecimento de “ovelhas”, como temos na figura bíblica do Novo Tes­tamento. Ser pastor deve ser resultado de consciência de seu papel, ter o dom do pastoreio, que no Novo Testamento está associado com o dom do ensino – o pastor-mestre (Ef 4.12). Ser alguém dotado de amor, misericórdia, olhos e corações sensíveis às suas ovelhas, ter aptidões diversas acolhedoras, mas também que possa lhes mostrar necessidades de correções em suas vidas, seja por meio do aconselhamen­to, seja por meio da admoestação. As­sim, tem um duplo papel, entre outros: apoiar, dar suporte, mas também “pu­xar a orelha” com carinho para mostrar caminhos que precisam ser retificados – ser agradável, acolhedor, mas também admoestador.

Ovelhas que são amadas pelo seu pastor estão sempre atentas para ouvir suas mensagens, sermões, mas tam­bém para a busca de conselhos para compreender melhor seu projeto de vida. Aprendem com ele a piedade, a dependência de Deus mesmo em si­tuações complexas e difíceis. Olham para sua vida como modelo a ser se­guido. Sabem que, se estiverem em um caminho que venha a desagradar a Deus, poderão contar com ele para a ajuda em “endireitar” o tortuoso ca­minho. Sabem que serão consideradas não como mão de obra religiosa, mas como pessoas, gente, que precisam ser vistas a partir de seu potencial. Confiança, caráter, transparência, comunicação atrativa, mas também envolvente e comprometida com a Palavra de Deus, é o que esperam de seu pastor.

Então, com o crescimento das redes sociais e de sua influência no modo de vida de muita gente, tem sido possível observar o surgimento de pastores que agem mais como influencers do que como pastores e que olham para suas ovelhas mais como seguidores das redes sociais. Estão mais interessados em ampliar a sua contabilidade de visualizadores e seus adoradores em seu perfil, pouco inte­ ressados em pastorear.

Neste caso, nos parece que hoje se confunde a caracterização do que de fato é ser ovelha com a figura do ser “seguidor” nas redes sociais e o ser pastor com ser influencer. Isso é possível notar ao crescer no meio evangélico a prática de se contabilizar o número de seguidores nas redes so­ciais e o quanto a pessoa influencia e captura mais seguidores. Essa conta­bilidade tem se tornado um referencial para a valorização de ministérios, de funcionalidade e até priorização de investimentos.

Em termos gerais, o influencer atrai seguidores por meio de postagens, reels, vídeos, que chamam a atenção e são compatíveis com percepções, desejos e intenções de seus seguido­ res. Há aí uma atração por identifica­ção e não necessariamente por novos desafios que ultrapassem a linha da zona de conforto do seguidor, diferente do pastoreio, em que, muitas vezes, o pastor precisará exercer uma atenção admoestativa para com sua ovelha, para que busque alterar uma conduta, uma estratégia de vida que está sen­do incompatível com algum princípio bíblico de vida e precise sair de sua zona de conforto.

Vamos lembrar que o funcionamen­to das redes sociais está fundamenta­ do em instruções de monitoramento, controle e disponibilização de acesso, chamadas de “algoritmos”, que são construídos para levar o “usuário-seguidor” a ter acesso e ser acessado por temas e postagens que atendam suas expectativas e com aquilo com que se identifica, gerando uma circu­laridade que acaba sendo nociva, pois esse mesmo usuário acessa o que lhe agrada e com o que se identifica, bus­cando se distanciar do que possa colo­car em risco suas preferências e zona de conforto. A quantidade de “likes’ / visualizações se torna a busca primei­ra e seletiva prioritária. Estudos psico­lógicos e neurológicos já demonstram os riscos para esse perfil de atitude, mesmo assim, essa estratégia e modo de ser das redes sociais permanece firme e crescente.

Diferentemente, no pastoreio, biblicamente praticado, o pastor nem sempre irá tratar de algo que possa se identificar com sua ovelha. Poderá ocorrer a necessidade de confronto em busca de algum ajuste comportamental. No campo da Psicologia, temos o processo de “intervenção” quando o profissional necessita estimular meios para buscar a solução de algum ajuste necessário na vida do paciente, que no fundo seria praticamente um procedi­ mento semelhante.

Ser “influencer” implica em buscar “agradar” seus seguidores para conse­guir mais seguidores, aumentar sua contabilidade de visualizações e vira- lizar suas mensagens, vídeos e tudo o que puder postar. Necessariamente, o “pastor-influencer” não precisa ter vida modelo a ser “copiada”. Ser pastor implica em vida exemplar e atuação compatível com os ideais do Evange­lho, também buscar investir em me­lhores condições de vida das ovelhas, mesmo que isso implique em indicar caminhos que possam ser diferentes de suas preferências, suas identifica­ções, que passam a ser avaliadas à luz também dos ideais e valores bíblicos.

Um “pastor-influencer” tem suas próprias métricas, referenciais, é autocentrado, autorreferenciado, tendo como alvo conquistar mais e mais se­guidores, buscando postar mensagens que possam atrair a identificação com eles. Um pastor, por sua vez, tem como referencial a Cristo, como o apóstolo Paulo mencionou: “Sede meus imita­ dores, como eu sou de Cristo” (I Co 11.1) e também orientou seu discípulo Timóteo:”… O que de minha parte você ouviu por meio de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a pessoas fiéis e também idôneas para instruir a ou­tras” (II Tm 2.2). O pastoreio fomenta seguidores que miram em Jesus e nas Escrituras como seus ideais. O pastor é apenas um intermediário, uma “fer­ramenta”, “recurso” do maior Mestre, para que Sua vida seja “impressa” na vida da ovelha, para que seja também seguidora do Mestre.

É errado, então, ter seguidores nas redes sociais? Não necessariamente. Mas não há como confundir o fato de ser pastor, ser ovelha, com esse cená­rio de “influencers”, seguidores, “likes” e visualizações.

Vamos lembrar do desafio de John Stott: “Não devemos perguntar: ‘O que há de errado com o mundo?’ Esse diag­nóstico já foi dado. Em vez disso, deve­mos perguntar: ‘O que aconteceu com o sal e a luz?'”

Pr. Lourenço Stelio Rega é eticista e Especialista em Bioética pelo Albert Einstein Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (Hospital Albert Einstein) – Extraído do OJB.

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