Pastor também é gente

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Ao longo da história, foi se formando a imagem de que um pastor é alguém sobrenatural, com capacitação gigantesca, portador de dons e talentos espetaculares, inquestionável autoridade vinda do alto, com elevado nível de resistência e resiliência a pressões, asperezas, obstáculos e intempéries da vida e do ministério. Sobre isso, um médico amigo até me falou que nós pastores sofremos de “onipotência simbiótica”.

O tempo também tem provado que esse imaginário não é compatível com a natureza de qualquer ser humano. Pastor não é como Jesus, que tinha a natureza humana e divina, pois, apesar de pastores, somos como qualquer ser humano na face da terra – imperfeitos, limitados. Somos também gente e não máquina de produção ou mesmo de perfeição. Aliás, até as máquinas falham e necessitam de ajustes.

Soube uma vez que um pastor assumiu o ministério de uma igreja e, em uma das primeiras reuniões com a liderança, foi logo avisado de que os honorários dele seriam calculados por produtividade. Como medir a produtividade de um pastor sério e cumpridor de seu papel de ovelheiro? Pelo aumento das receitas? Pelo controle das despesas? Pela quantidade de eventos, de visitas pastorais realizadas? Pela quantidade de batismos em determinado período? Pela quantidade de atendimentos? Há pessoas que nem desejam que outros saibam que está num processo de aconselhamento pastoral.

Antes da virtualização bancária, tive a notícia de que um pastor recebeu do tesoureiro da igreja um maço de cheques que era para o pagamento do seu honorário. O pastor lhe indagou por que a tesouraria não tinha feito um cheque da igreja e o respectivo contracheque para o seu pagamento? O tesoureiro rapidamente respondeu: “Você acha que deve perder dinheiro com a CPMF (antigo imposto do cheque)?” O pastor, meio aturdido, indagou novamente sobre o que deveria fazer, se um cheque voltasse, e o tesoureiro prontamente respondeu que ele deveria levar o cheque no domingo seguinte e, se o emitente fosse ao culto, poderia substituí-lo. E se não fosse? Bem, essa parte o pastor não perguntou.

Tive também o conhecimento de uma situação em que um pastor que estava enfermo faleceu. Cerca de quinze dias depois, os líderes bateram na porta da casa pastoral para solicitar à viúva que desocupasse o imóvel imediatamente. Pastor é gente, e sua família, também.

Eu sei que pode até haver pastores que não conseguem realizar um bom trabalho, mas continuam a ser gente e necessitam ser tratados pelo menos como gente. Eu sei que há pastores autoritários, mas também são gente. Eu sei que há pastores cujo sermão nem sempre tem bom conteúdo. Tem pastor que é sanguíneo demais, mas também há coléricos, melancólicos, fleumáticos. Pode até haver pastor que sofre de alguma neurose. Mas todos são gente.

Já se passam mais de quatro décadas, desde a minha consagração ao ministério. A maior parte vivi dividindo tempo entre o trabalho denominacional e o eclesiástico; se não estava pastoreando, estava colaborando com o ministério de algum colega, em geral na área de educação. Já vi e ouvi dezenas e dezenas de histórias como essas.

Sei que há comentários justos sobre a atitude de alguns pastores, mas transformar o pastor em sobremesa do almoço do domingo, isso já é demais!

Seja como for o seu pastor, você já orou em favor dele hoje? Já tentou dialogar com ele, procurando ajudá-lo, como você gostaria de ser ajudado em uma situação semelhante? E, se ele não dá chance para isso, você já entregou a situação para Deus e pediu-lhe para encontrar o momento e as palavras certas?

Um dia um jovem seminarista, líder em sua igreja, me pediu para ouvi-lo e aconselhá-lo, pois estava muito zangado com seu pastor por causa de algumas atitudes que ele estava tomando. Ele começou a se exaltar tanto sobre o assunto que, em determinado momento,  disse-me que o único caminho era o pastor sair imediatamente da igreja e deixá-los em paz. Eu lhe perguntei de imediato: “O pastor é casado? Tem filhos? Qual a idade deles? A casa em que mora o pastor é da igreja ou é dele mesmo?” Ao que ele me respondeu que ele era casado, tinha filhos, eram crianças em idade escolar e morava na casa pastoral da igreja. “Quer dizer que você deseja que o pastor saia da igreja nos próximos dias?” Ele me respondeu que sim. Eu continuei “Onde ele vai morar? E a esposa dele? Os filhos dele, que já possuem amizades na escola, como vão ficar? Eles terão de parar os estudos de uma hora para outra?” O jovem quase que deu um salto da cadeira e me disse: “Professor, o que é isso? Eu não tinha pensado nessas coisas!” Eu lhe disse que até poderia o pastor dele estar errado e até ter sido inconveniente, mas que ele era também gente, que a esposa dele era gente e que os filhos dele eram gente e necessitavam pelo menos ser tratados como gente. Disse que eles deveriam buscar um diálogo com aquele pastor e trabalhar mais na situação.

Não sei o que aconteceu depois, mas o espanto daquele jovem me deixou também espantado, pois, investindo certa parte do meu tempo na vida institucional, tenho tido a oportunidade de me assentar ao lado dos membros da igreja e ouvi-los mais abertamente. E já vi, repetidas vezes, a mesma situação. Se há pastores que podem até manipular pessoas, há também líderes que até podem tratar o pastor como uma peça de descarte, sem a mínima preocupação dele como gente. Claro que isso também pode ocorrer na vida institucional, e ocorre mais do que você pode imaginar.

E o que dizer de processos periódicos para avaliação de um pastor ou mesmo executivo de alguma organização? Um dia, um colega me falou que determinada igreja tinha incluído em seu regimento que, a cada período, haveria avaliação de seu pastor. De imediato, perguntei se foram definidos os critérios de avaliação. Meio espantado, ele me perguntou: “como assim?” Respondi: “pois é, como avaliar sem critérios pré-estabelecidos? Como o pastor vai saber se está atendendo a igreja e a liderança, se não existe uma métrica avaliativa a seguir? Uma avaliação periódica tem uma trajetória histórica de atuação de quem vai ser avaliado”, respondi. Se não houver critérios e métrica adequada e compatível com a função, e se o pastor tiver algum dissabor na semana anterior com algum líder que precisou, por exemplo, de uma admoestação, então estará destinado a ser descartado?

Infelizmente, o título “pastor” ficou generalizado, e há colegas que tratam o pastorado como um emprego, como um cargo ou função de poder e hierarquia, ao sabor clerical. Contudo, pastorado não é função, não é cargo, mas dom presenteado por Deus para pessoas que ele assim deseja para cuidar de vidas.

É certo que um pastor não pode tratar com autoritarismo, indelicadeza, omissão ou irresponsabilidade o rebanho. Mas também a igreja não pode tratar o pastor como se fosse máquina, como se fosse alguém sem sentimentos, sem família, que não tivesse dor e fosse impermeável ao sofrimento. Afinal, pastor também é gente.

Deixo, portanto, o meu recado, tanto a pastores como a líderes e membros em geral das igrejas: o diálogo é sempre o caminho. Se não for possível, a oração e a dependência de Deus são a avenida para a manutenção saudável da vida na igreja. Você já orou pelo seu pastor hoje?

Pr.  Lourenço Stelio Rega

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