O que a Bíblia ensina sobre o diaconato?

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O Senhor Jesus afirmou: “Se alguém quiser me servir, siga-me; e onde eu estiver, lá estará também o meu servo. Se alguém me serve, o Pai o honrará.” (Jo.12.26). E o apóstolo Paulo diz: “Os que servirem bem como diáconos irão adquirir lugar de honra e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus.” (I Tm.3.13).

A palavra “diácono” não foi traduzida, foi transliterada, isto é, tomada exatamente como se escreve na língua grega – diakonos – e transposta para a nossa língua, e assim, nos habituamos a ouvi-la sem saber que o seu significado. Ela aparece três vezes no versículo do evangelho de João acima citado, significando que todo aquele que segue a Jesus deve ver a si mesmo como um simples servo ou escravo. Mais tarde, na igreja primitiva, a palavra passou a designar um cargo específico: o ofício de diácono. Esta função é tida por Paulo como de muita honra e de muita confiança. E, de fato, é; por essa razão as igrejas têm que agir com muito cuidado na escolha daqueles que vão ocupá-la. Portanto, é importante definir bem esse ofício e as exigências para exercê-lo. Infelizmente muitos têm uma noção errada a respeito do diaconato e por isso é bom ver o que a Bíblia diz sobre o assunto.   

I. A origem do diaconato está em Jesus

O modelo perfeito do diácono é Jesus. Em Mc.10.35-45 temos o episódio em que Tiago e João pedem a Jesus para sentar-se ao lado dele na sua glória, o que revoltou os demais apóstolos e deu a Jesus uma oportunidade para ensinar que se alguém quiser tornar-se importante na sua igreja precisará tornar-se servo de todos, pois “o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a vida em resgate de muitos.” (v.45 – o verbo aqui usado é da mesma raiz da palavra “diácono”). De modo que, se alguém quiser ser um verdadeiro diácono, não espere ser reconhecido pelo cargo que ocupa, mas sim por sua prontidão em servir.

Em Fp.l2.5-7, lemos o seguinte: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo”. Jesus não buscou os seus direitos nem os seus interesses pessoais, mas foi capaz de renunciar a tudo para dar-se a si mesmo por nós. O objetivo dele não era a sua própria glória, honra e satisfação, mas servir à humanidade, e para isto humilhou-se profundamente, até o ponto de morrer em nosso lugar.

Cremos que foi com base no exemplo de Jesus que a igreja primitiva deu o título de “diácono” a esse ofício tão importante, que trará honra a pessoa que o exerce somente se esta tiver um verdadeiro propósito de servir, de viver uma verdadeira vida de serviço.

II. Há um sentido em que todos os crentes são diáconos

Usando o mesmo verbo acima citado (da raiz da palavra “diácono”), o apóstolo Pedro exorta seus leitores a servir uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu (I Pd.4.10). Nesse sentido, então, todos os crentes são diáconos, pois estão na mesma condição de servirem uns aos outros naquilo que Deus os capacitou a fazer.

Também o Senhor Jesus, falando sobre o juízo final, diz que aqueles que em seu nome tiverem prestado algum serviço aos necessitados, receberão o reconhecimento por esse gesto. O serviço, nesse caso, é alimentar o faminto, dar água ao que tem sede, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, acolher os estrangeiros, que são deveres de todos os crentes (Mt.25.31-44). Na mesma direção, o evangelista Marcos se refere às mulheres que seguiam a Jesus e o serviam (Mc.15.41).

Portanto, não devemos pensar que apenas os diáconos são responsáveis por atender as diversas necessidades das pessoas, pois esta é uma tarefa de todos na igreja, cada um de acordo com o dom e os recursos que recebeu do Senhor. Nesse sentido todos somos diáconos. Na verdade os diáconos, como oficiais da igreja, devem atuar como líderes dessas atividades de serviço.

III. Há um outro sentido em que os apóstolos e seus colaboradores (missionários e pastores) também são diáconos

Paulo usa esta palavra para referir-se a si mesmo em I Co.3.5 e II Co.3.6; 6.4. E usa-a também para referir-se a Timóteo (I Ts.3.2), a Tíquico (Cl.4.7) e a Epafras (Cl.1.7). A palavra é usada por Paulo para referir-se até mesmo a Cristo (Rm.15.8). Conforme o contexto o termo é traduzido por “ministro” ou por “servo”, sempre com o fim de qualificar pregadores e mestres, chamados e enviados por Deus para fazer a obra missionária, que era de proclamação e ensino.

Seja qual for o ministério para o qual o Senhor nos chamar, tal ministério somente poderá ser exercido como um serviço a outros. Portanto, não se trata primariamente de uma posição de honra e autoridade, se bem que inclua isto. Aliás, uma outra palavra grega que é usada para “ministro” é “hiperetes” (I Co.4:1) cujo sentido primitivo referia-se aos remadores que ficavam na parte de baixo de um grande navio. Nem Apolo, nem Pedro, nem Paulo, nem qualquer outro, fosse qual fosse a sua função na igreja, era tão importante que devesse ser considerado mais do que um simples remador de segunda classe (hiperetes) ou um servidor de refeições (diakonos), funções que nos tempos bíblicos eram ocupadas por escravos. Na verdade somos todos “despenseiros da multiforme graça de Deus” (I Pd.4.10).

É claro que, tanto no ponto anterior como neste, o uso que se faz da palavra diácono é geral, pois tratava-se de termo bastante comum na época, podendo significar o servente de uma refeição (Jo.2.5,9), o servo de um mestre (Mt.22.13), o servo de um poder espiritual, bom ou mau (Cl.1.23 e II Co,11.15), o servo de Deus (II Co.6.3) ou de Cristo (II Co.11.23). Portanto, a palavra era empregada genericamente para falar de qualquer pessoa que prestasse serviço a alguém, que estivesse a serviço de alguém, numa posição de subordinação. Na igreja primitiva, fica claro que todos são diáconos (servos) num sentido geral, inclusive os apóstolos e os pastores (também chamados de presbíteros ou bispos).                  

IV. O diaconato como um ministério específico

Em Atos 6.1-7, bem no início da igreja, temos o embrião do ministério diaconal, uma amostra do seu futuro perfil. Houve problemas com a distribuição de ajuda às viúvas da igreja de Jerusalém, tendo sido uma parte delas prejudicada, talvez por falta de tempo dos apóstolos para cuidar desse assunto. A igreja foi então convocada para escolher sete irmãos idôneos e experientes para cuidar dessa distribuição e, naturalmente, de outros assuntos semelhantes. Os apóstolos passaram a cuidar exclusivamente da função pastoral em si, que consistia na pregação e na assistência espiritual. Estes sete, entretanto, ainda não são chamados de diáconos, apesar de o trabalho a eles atribuído ser chamado de serviço (“diaconia”).

Com o crescimento e a evolução da igreja primitiva surgiu um ofício específico, com o título de “diácono”, por causa da essência dessa função, que é o serviço aos necessitados, uma ministração basicamente material. Em Fp.1.1, Paulo dirige-se à igreja de Filipos, saudando seus bispos e diáconos. Em Rm. 16:1-2, ele fala de Febe, uma diaconisa da igreja de Cencréia, a quem recomenda e elogia. Em I Tm.3.8-12, ele faz uma lista de requisitos para se consagrar pessoas ao diaconato. É preciso lembrar que as igrejas do Novo Testamento geralmente não tinham templo e, portanto, não tinham patrimônio a ser administrado, uma área com a qual os diáconos de hoje têm muito envolvimento, pois modernamente quase não há igrejas sem templo.

Portanto, a função dos diáconos era cuidar dos necessitados e carentes entre os membros da igreja. É bom tomar cuidado para não ver o diaconato como uma função secundária. Naquela altura da existência da igreja, o diaconato já se estabelecera como um ofício a ser exercido por pessoas altamente qualificadas, escolhidas e consagradas para tanto. Paulo dá a essas pessoas um tratamento especial, considerando-as como autoridades juntamente com os pastores. Na verdade estas são as duas únicas classes de oficiais da igreja mencionadas no Novo Testamento: pastores e diáconos.

V. A necessidade do diaconato

Uma pergunta que surge de vez em quando é: Por que a igreja tem diáconos? Evidentemente, a igreja não irá consagrar pessoas ao diaconato apenas para dar-lhes um título. A resposta a esta questão, em primeiro lugar, está na sua necessidade. No texto acima de Atos 6.1-7, aprendemos que foi necessário designar pessoas para a função especial de liderar a ministração às viúvas da igreja (e cremos que também a outras pessoas na mesma condição de carência). Jesus disse: “Sempre tereis os pobres convosco.” (Jo.12.8), aludindo ao fato de que permanentemente teremos entre nós pessoas a quem precisaremos ajudar. Certamente o diaconato surgiu da necessidade de organizar essa ajuda na igreja primitiva. Apesar de não haver na Bíblia nenhuma “descrição de cargo” referente ao diaconato, isto é, de não termos maiores informações sobre essa função, fica subentendido que a razão do surgimento do diaconato foi essa.

Nas igrejas batistas, por extensão, tornou-se praxe os diáconos cuidarem também das necessidades dos pastores e suas famílias, e da ministração da Ceia do Senhor. Já que sempre será necessário que alguém cuide da família pastoral em nome da igreja, e que algumas pessoas ajudem a servir os elementos da Ceia, entendem os batistas que os diáconos são as pessoas mais indicadas para fazê-lo. Observamos, entretanto, que não há nenhum dispositivo bíblico estabelecendo essa prática.

Em segundo lugar, ainda respondendo à pergunta acima formulada, afirmamos que há uma razão bíblica para o diaconato. O ofício é explicitamente mencionado na Bíblia, inclusive listando as qualificações exigidas para o seu exercício (Fp.1:1, I Tm.3.8-12). Aliás, como já dissemos acima, só havia duas classes de oficiais na igreja primitiva: pastores (também chamados de bispos ou presbíteros) e diáconos, que são ofícios estritamente funcionais, essenciais ao trabalho da igreja. Portanto, em vista, da necessidade antes referida, oficializou-se a função do diaconato, cujo ocupante recebeu o título altamente sugestivo de “diácono”, e as igrejas passaram a separar pessoas para esse ofício.  

VI. Os requisitos para o diaconato

Em I Timóteo 3:8-13, o apóstolo Paulo instrui seu discípulo, o pastor Timóteo, sobre como tratar da escolha dos candidatos ao diaconato. No versículo 10 ele diz explicitamente que os candidatos “devem primeiramente passar por experiência; depois, se considerados irrepreensíveis, exerçam o diaconato.” Na língua original, “passar por experiência” (ou “ser provados”, como em outras traduções) quer dizer “ser testado como um metal precioso”. Isto é, os candidatos devem submeter-se a uma avaliação da igreja e seus líderes acerca do seu caráter e conduta. Ao ordená-los diáconos, a igreja assume a responsabilidade por tal julgamento. De fato, é bom que os candidatos passem por um período de observação após a sua indicação. Entretanto, a igreja pode entender que os mesmos já demonstraram anteriormente que possuem, efetivamente, todos os requisitos para a função, e assim dispensar esse tempo de observação.

Somente depois de julgados “irrepreensíveis” é que os candidatos devem exercer o diaconato. Originalmente esta expressão significa “não poder ser agarrados”. O que Paulo quer dizer é que os candidatos não devem apresentar, na sua vida passada ou presente, nenhum defeito óbvio de caráter ou de conduta que os maliciosos de dentro e de fora da igreja possam explorar, para desacreditá-los. Não podem estar sujeitos a qualquer censura ou crítica justa. Para essa avaliação é preciso ter critérios objetivos, por isso Paulo relaciona uma série de requisitos que devem ser preenchidos pelos candidatos. Veja a seguir:

I. Respeitabilidade

“Os diáconos devem ser respeitáveis” (vs.8 e 11 – algumas traduções trazem “sérios”), referindo-se a pessoas de princípios e comportamento elevados, dignas de respeito por seu temperamento equilibrado e por sua postura moral correta; pessoas que são conhecidas pelo seu bom senso e pela coerência entre seus atos e suas palavras.

II. Sinceridade

“De uma só palavra” (v.8- algumas traduções trazem “não de língua dobre”) e “não caluniadoras” (v.11 – algumas traduções trazem “não maldizentes”).

Os diáconos devem ser destituídos de toda e qualquer ambiguidade, isto é, não podem pensar uma coisa e dizer outra; ou, por outro lado, não podem dizer uma coisa a uma pessoa sobre determinado assunto e dizer outra coisa a outra pessoa sobre o mesmo assunto, mostrando ter “duas palavras”. Também precisam ter muito cuidado ao lidar com as diversas situações que encontram em seu trabalho de visitação, a fim de não se tornarem difamadores, principalmente as diaconisas. É interessante notar que a palavra usada no original para caluniadoras é “diabolos”, que significa basicamente “aquele de acusa”.

III. Temperança ou Domínio Próprio

“Não dados a muito vinho” (v.8 – literalmente “não acompanhantes do vinho”), “temperantes” (v.11 – uma outra tradução traz “moderadas”)..

Paulo não proibia a bebida inteiramente, mas sim seu uso excessivo, ou a escravidão a ela, o vício. Numa sociedade em que o vinho era usado como alimento, e até como remédio, temos aqui uma clara condenação da embriaguez, que era um dos problemas mais comuns na antiguidade. O testemunho bíblico é fortemente contrário a bebida forte. A aplicação prática desse ensino na sociedade atual é a total abstinência. A expressão “não inclinado” significa não só que não devemos dar atenção ao vinho, mas também que não devemos dar a nossa aprovação. Por extensão, esta recomendação de temperança se aplica a toda espécie de excesso ou exagero, seja no comer, no vestir, no falar ou em qualquer outra atividade. 

IV. Desambição

“Não cobiçosos de torpe ganância” (v.8 – uma outra tradução diz “não dominados pela ganância”), “fiéis em tudo” (v.11).

Não deviam se apegar ao dinheiro ao ponto de ter sua integridade questionada. A ganância é um dos pecados característicos dos falsos mestres. A advertência contra a avareza aparece em todas as listas de qualificações para a liderança. Os diáconos corriam o risco de transformar seu ofício em um meio de tirar proveito pessoal, pois ficavam expostos à tentação de usar os recursos materiais que administravam na assistência aos necessitados. Por isso precisavam ser fiéis em tudo. 

V. Fidelidade

“Guardando o mistério da fé numa consciência pura” (v.9 – outra tradução diz: “Devem permanecer no mistério da fé com consciência pura), “Fiéis em tudo” (v.11).

O foco aqui é a pureza de consciência. É preciso haver uma certeza interior a respeito do mistério da fé, que é o propósito eterno de Deus revelado em Cristo, a verdade revelada no evangelho, especialmente a doutrina da salvação. Entretanto, tal fé e sua compreensão só podem ser mantidas salutarmente onde houver obediência ativa e conscienciosa. Aquele que deseja recomendar aos outros a verdade do evangelho (ou mistério da fé), deve exemplificá-la conscientemente na sua própria conduta, de modo a gerar neles confiança em sua pessoa. Portanto, a fidelidade aqui referida é a verdade do evangelho que é refletida no comportamento dos candidatos, principalmente no trato daquilo que lhe for confiado.

VI. Conduta exemplar com relação a família

“Maridos de uma só mulher” (v.12).

Esta exigência tem um forte pano de fundo cultural. A poligamia naquela época era extremamente comum e a infidelidade conjugal era praticamente um hábito, algo tido como implícito no casamento. Por outro lado, permanecer solteiro após a morte do cônjuge ou o divórcio era considerado meritório, o que não significava necessariamente manter-se sexualmente puro. Por tudo isso havia muitos convertidos que, infelizmente, não estavam livres das complicações provocadas por relacionamentos anteriores, em virtude da poligamia, da infidelidade, da viuvez ou do divórcio.  Cremos que o ensino de Paulo aqui é que se requer dos candidatos ao diaconato que estejam livres dessas complicações e que sejam conhecidos por sua absoluta fidelidade ao cônjuge. A igreja deve evitar escolher para a função uma pessoa com problemas nessa área da vida.

“Governar bem os filhos e a própria casa” (v.12)

O caráter de um diácono é melhor contemplado no âmbito da sua própria família, na maneira de liderá-la e de relacionar-se com ela. Suas habilidades de líder, seu caráter e sua conduta serão melhor revelados por meio de uma família bem estruturada e marcada por relacionamentos saudáveis, em que estejam preservados os papéis dos pais e dos filhos, em que haja respeito e admiração, em que haja ética e santidade.    

Concluindo este nosso estudo, voltamos a citar o que Paulo disse a Timóteo (I Tm.3.13): “Os que servirem bem como diáconos irão adquirir lugar de honra e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus.” Uma conseqüência natural de uma vida de bons serviços é ser reconhecida e honrada. Os diáconos que desempenharem corretamente a sua função receberão a honra e o reconhecimento daqueles a quem servem. Ao mesmo tempo, em virtude do resultado do seu trabalho e da aprovação dada ao mesmo tanto pelo Senhor como pela igreja, estarão cada vez mais seguros de sua relação com Jesus Cristo e testemunharão com firmeza de sua fé nele.

Pr. Sylvio Macri

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