Pessoas espirituais entram em conflito?

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Foto: Reprodução.

Em uma conversa outro dia, escutei um marido, casado há dois anos, afirmando que estava frustrado com seu casamento porque, tendo casado com uma moça que era líder espiritual na igreja, esperava que jamais tivessem conflitos no relacionamento.

Tenho ouvido muito esta ideia de que, se existem conflitos entre pessoas – especialmente no convívio conjugal –, é porque as pessoas não são “espirituais” o suficiente.

Na verdade, o conflito é natural do convívio humano. Temos percepções distintas da realidade e enxergamos o mundo de acordo com as matizes geradas pela nossa educação, nossas experiências ao longo da vida, a cultura na qual estamos inseridos e vários outros fatores. Assim, podemos dizer que existem efetivamente duas realidades: uma realidade a qual chamamos de primeira ordem, que é o mundo tal qual ele existe, e uma realidade a qual chamamos de segunda ordem, que é a forma como captamos a realidade de primeira ordem. Esta é sempre limitada pelas nossas capacidades perceptivas e interpretativas do real. E por termos essas limitações é que surgem conflitos. Basta ler Atos 15.36-40, em que Paulo e Barnabé, duas pessoas muito espirituais, em meio a um trabalho missionário, têm um conflito.

O conflito não é necessariamente algo negativo, desde que saibamos manejar formas criativas de lidar com ele. Se olharmos para os conflitos como uma oportunidade de crescimento, as tensões iniciais causadas pelo desconforto do termo podem ser diluídas.

Mas como o conflito pode ser uma oportunidade de crescimento? Oportunizamos o crescimento quando entendemos que a nossa forma de perceber a realidade não é a única nem, tampouco, a verdade absoluta, antes é uma percepção condicionada por todos os fatores mencionados. Dessa forma, poderemos entender que a percepção que o outro, no caso o cônjuge, tem da mesma realidade é igualmente válida.

Temos a tendência de valorar as percepções da realidade em termos de certo ou errado, bom ou ruim, verdadeiro ou falso etc. Se, em contrapartida, buscarmos validar a percepção do outro, ou seja, permitir que o outro perceba a mesma realidade de uma forma distinta, ainda que eu não concorde – mas reconheça o seu direito de perceber diferente –, então estaremos abrindo-nos para novas aprendizagens, e isso pode nos tornar pessoas melhores.

Por exemplo, se, em vez de zombarmos do cônjuge por ter medo de barata e afirmarmos que esse medo é “bobagem” (isso seria atribuir um juízo de valor), nós permitíssemos ao outro ter medo (ainda que não tenhamos esse medo) e procurássemos entender que na experiência de vida dele há “algo” que desconhecemos que contribuiu para gerar a percepção de que barata é algo perigoso, então nos abrimos para a aprendizagem de que certas situações vivenciadas ao longo da vida podem ser geradoras de medos – e essa aprendizagem é uma maneira de crescermos como pessoa.

Assim, não devemos temer os conflitos, mas transformá-los em oportunidades de crescimento pessoal ao sairmos de nosso “umbigocentrismo” e descobrirmos que a realidade é sempre muito mais que a soma de todas as nossas percepções, pois o real foi criado por um Deus que é infinitamente maior que tudo que nossa mente possa alcançar (Jó 9.1-10). Usemos os conflitos de forma criativa!

Por Carlos “Catito” e Dagmar – Casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. 

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