Evangelho e Evangelhos II

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“Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo.” (Gálatas 1.6-7)

As vezes é preciso repetir, por isso está aqui a parte dois da meditação de uma semana atrás. Na primeira afirmamos que um olhar dirigido à vida religiosa, uma avaliação das atitudes que marcam o cotidiano de um país majoritariamente cristão e tão evangélico como o nosso, levanta perguntas e conduz a conclusões incômodas. E quero retomar a prosa. Ouvi uma afirmação de certo líder cristão, que em princípio chocou-me. Perguntaram-lhe qual seria, em sua opinião, o problema dos evangélicos. Ele respondeu: a Bíblia. Chocado, só depois compreendi que se tratava do modo como temos lido a Bíblia e a compreendido. Com a mesma Bíblia nas mãos seguimos caminhos irreconciliáveis diante da vida. Protagonizamos atitudes mutuamente excludentes. Há um pastor americano que se expressa por cartoons. Suas charges denunciam a incoerência entre evangélicos e o Evangelho. Há muitas que gosto. Uma delas trás a igreja (simbolizada pelo desenho de um templo) e Jesus, sentados lado a lado num carro. A igreja está ao volante. E então Jesus lhe dirige a pergunta: “Lembra-se quando você me deixava dirigir?” Noutra ele mostra um grupo de ovelhas ferindo-se. Há sangue e ovelhas devorando ovelhas. E há dois lobos assistindo de longe. Um deles comenta: “Esse não deveria ser o nosso trabalho?”.

O problema que Paulo enfrenta com as igrejas na Galácia talvez fossem dois problemas, e não apenas um. Dois que geravam muitos outros. Os judaizantes, que ensinavam que a fé em Cristo não era bastante e a lei e a circuncisão seriam necessárias para a salvação; e os libertinos, que seguindo o pensamento gnóstico, afirmavam que a carne era habitada pelo principio do mal e que a libertação do espírito viria com a morte, não importando o que se fazia com o corpo. Paulo combateu os dois afirmando graça e a liberdade orientada pelo amor. Somos salvos pela graça. Uma salvação que também nos liberta. Que nos encaminha para uma vida sob os auspícios do Espírito. Somos ajudados a amadurecer de modo que Cristo seja formado em nós. Passamos a agir à semelhança de Cristo. Dois mil anos depois as coisas se complicaram. Somos um ambiente evangélico cheio de muitas palavras e todas elas com firma reconhecida pela citação de textos bíblicos. Mas onde estão os pequenos Jesus, aqueles que, de tão maduros na fé, evangelizam com a vida? Especializamo-nos em religião e nos confundimos no Evangelho. 

Domesticamos o evangelho. Colocamos nele a camisa de força da religião. Criamos um evangelho que não caminha, não fala, não age com a naturalidade revelada por Jesus. O nosso se  comporta do nosso jeito, não do dele. Criamos um evangelho com bons modos, que reconhece o seu lugar e não fala na hora errada e não entra onde não é convidado. Nosso evangelho nos faz julgar e estranhar pecadores. Não sabe amá-los. É um evangelho que só aceita amar se antes puder consertar. Afinal, no banquete do nosso evangelho, não cabe todo mundo. Há um código de vestimenta a ser observado. Há maneiras e modos. Amar e pronto, não é o caso do nosso evangelho. Não é assim que as coisas são! Nosso evangelho é versado em tradições e estruturas. Nosso evangelho é eticamente corrompido. Ele não vê com clareza o mal, a maldade. Ele acolhe o orgulho e o amor ao poder. Ele promove egos. Ele valoriza coisas e despreza pessoas. E tiramos esse evangelho de nossa leitura da Bíblia. Tem os os textos para confirmar que estamos certos. Tudo isso dito são coisas pesadas para se dizer. Não precisa concordar. Apenas faça o seguinte: olhe ao redor, pense, medite e ore. Quem sabe não estou enganado? Tomara que sim.

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