{"id":2713,"date":"2022-02-26T12:23:52","date_gmt":"2022-02-26T15:23:52","guid":{"rendered":"https:\/\/adiberj.com.br\/?p=2713"},"modified":"2022-02-26T12:23:56","modified_gmt":"2022-02-26T15:23:56","slug":"culto-arrastado-existe-isso","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/adiberj.com.br\/culto-arrastado-existe-isso\/","title":{"rendered":"Culto arrastado…existe isso?"},"content":{"rendered":"\n
\"\"<\/figure><\/div>\n\n\n\n

\u00c9 poss\u00edvel que voc\u00ea nunca tenha ouvido essa express\u00e3o, mas ela \u00e9 bastante comum em algumas igrejas pentecostais. Geralmente \u00e9 empregada quando as pessoas presentes no culto n\u00e3o apresentam a rea\u00e7\u00e3o esperada pelos dirigentes. Ou seja, quando n\u00e3o respondem com gritos de \u201cgl\u00f3ria a Deus\u201d, \u201caleluia\u201d ao serem estimuladas pelo pregador, ou n\u00e3o se expressam fisicamente levantando as m\u00e3os ou fazendo outro movimento durante o canto dos hinos. Diante desse cen\u00e1rio, vez ou outra, algu\u00e9m diz que o culto est\u00e1 \u201carrastado\u201d. H\u00e1 quem diga ainda que consegue sentir o ambiente \u201cpesado\u201d, \u201ccarregado\u201d, quando esse tipo de coisa acontece. Ao que parece, o que se tem em mente ao fazer essas afirma\u00e7\u00f5es \u00e9 que existe alguma esp\u00e9cie de impedimento de natureza espiritual para que Deus atue no culto. Mas ser\u00e1 que a B\u00edblia fundamenta essa ideia? \u00c9 o que veremos a seguir.<\/p>\n\n\n\n

Bem, embora essa linguagem pare\u00e7a natural para quem a utiliza, a ideia de \u201ccargas negativas\u201d e \u201cambientes pesados\u201d \u00e9 estranha \u00e0 f\u00e9 crist\u00e3. Na verdade, essas ideias s\u00e3o oriundas de religi\u00f5es de cunho espiritualista, como a umbanda, por exemplo; na qual admite-se a possibilidade de existirem pessoas com \u201cproblemas de encosto ou cargas negativas\u201d[1]<\/a>. Sua presen\u00e7a, de acordo com essa doutrina, \u00e9 capaz de fazer algu\u00e9m ficar cansado ou ter dores de cabe\u00e7a s\u00f3 de entrar no ambiente[2]<\/a>. Por essa raz\u00e3o, adeptos dessa religiosidade costumam ter em suas resid\u00eancias a planta \u201cespada-de-S\u00e3o-Jorge\u201d. Pois, segundo o Dicion\u00e1rio de Umbanda ela \u201cabsorve fluidos nocivos e cargas negativas de pessoas e ambientes aos quais protege com grande efic\u00e1cia\u201d[3]<\/a>. Semelhantemente, no espiritismo kardecista as cargas negativas exercem grande influ\u00eancia. De maneira que at\u00e9 mesmo as doen\u00e7as podem ser atribu\u00eddas a elas. A explica\u00e7\u00e3o para isso, segundo o ensino esp\u00edrita, \u00e9 que permanentemente, recebemos energia vital que vem do cosmo, da alimenta\u00e7\u00e3o, da respira\u00e7\u00e3o e da irradia\u00e7\u00e3o das outras pessoas e para elas imprimimos a energia gerada por n\u00f3s mesmos. Assim, somos respons\u00e1veis por emitir boas ou m\u00e1s energias \u00e0s outras pessoas. A energia que irradiamos aos outros estar\u00e1 impregnada com nossa carga energ\u00e9tica, isto \u00e9, carregada das energias de nossos pensamentos e de nossos sentimentos, sendo necess\u00e1rio que vigiemos o que pensamos e sentimos[4]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Em resumo, as cargas negativas ou positivas s\u00f3 aparecem porque as pessoas respondem positiva ou negativamente aos est\u00edmulos que recebem. Por conta disso, os esp\u00edritas t\u00eam a pr\u00e1tica de \u201cdar passes\u201d, uma t\u00e9cnica que, de acordo com eles, \u00e9 capaz de limpar o indiv\u00edduo que recebe o passe \u201cde cargas negativas\u201d[5]<\/a>. Outro aspecto interessante desse segmento, \u00e9 que, assim como pensam os evang\u00e9licos que adjetivam os cultos em que h\u00e1 menos manifesta\u00e7\u00f5es fenom\u00eanicas como \u201carrastados\u201d, os esp\u00edritas entendem que \u201cquanto mais estiver o ambiente carregado de eletricidade ou magnetismo positivo, mais eficiente ser\u00e1 a reuni\u00e3o. Quanto mais esse ambiente estiver permeado de for\u00e7as negativas, mais perturbada a reuni\u00e3o\u201d[6]<\/a>. Isso porque, as energias negativas interferem \u201cnas linhas de for\u00e7a estabelecidas pelos esp\u00edritos\u201d[7]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Voc\u00ea consegue perceber a semelhan\u00e7a entre o conceito de \u201cculto arrastado\u201d e a vis\u00e3o esp\u00edrita? Outra similaridade bem evidente \u00e9 o fato de que n\u00e3o h\u00e1 nas Escrituras uma ocasi\u00e3o sequer em que o culto foi impedido ou dificultado porque havia algu\u00e9m que n\u00e3o estava em harmonia com as \u201ccargas positivas\u201d. Com efeito, os relatos de cultos interrompidos n\u00e3o t\u00eam rela\u00e7\u00e3o alguma com a falta de resposta ou com a aus\u00eancia de manifesta\u00e7\u00f5es dos cultuadores. Um exemplo disso est\u00e1 registrado em Atos 20.7-12, ocasi\u00e3o na qual o culto da igreja de Tr\u00f4ade foi interrompido por causa de um acidente que provocou a morte de um jovem, e n\u00e3o por \u201ccargas pesadas\u201d. Ali\u00e1s, cumpre observar que, logo em seguida, o jovem foi ressuscitado e o culto foi retomado.<\/p>\n\n\n\n

Sinceramente, n\u00e3o creio que a espiritualidade ou o bom andamento de um culto possa ser medido pela sensa\u00e7\u00e3o de haver \u201ccargas negativas\u201d ou \u201cuma atmosfera pesada\u201d. Se assim fosse, estar\u00edamos colocando a experi\u00eancia e a sensorialidade acima das Escrituras. Porquanto, as sensa\u00e7\u00f5es n\u00e3o s\u00e3o aferidores b\u00edblicos para medi\u00e7\u00e3o da espiritualidade de um culto. Afinal, a espiritualidade crist\u00e3 n\u00e3o se limita ao culto. Essa perspectiva limitada e dicot\u00f4mica da espiritualidade como restrita aos espa\u00e7os destinados \u00e0 devo\u00e7\u00e3o, era uma caracter\u00edstica da cosmovis\u00e3o medieval. Per\u00edodo no qual \u201ca espiritualidade esteve enclausurada atr\u00e1s das paredes do mosteiro\u201d[8]<\/a>. Naquele contexto, separar-se do mundo e unir-se a uma ordem religiosa era a demonstra\u00e7\u00e3o m\u00e1xima de espiritualidade. No entanto, a partir do s\u00e9culo XVI, com a Reforma Protestante e os movimentos anabatistas, os crist\u00e3os, ao inv\u00e9s de abandonarem o conv\u00edvio social,\u00a0\u201ccome\u00e7aram a pensar na devo\u00e7\u00e3o em termos de viver a vida di\u00e1ria de acordo com a vontade de Deus\u201d\u00a0[9]<\/a>, tal como orientam as Escrituras. Assim, \u201ca espiritualidade tornou-se uma quest\u00e3o de como se vivia a vida crist\u00e3 com a fam\u00edlia, no campo, na oficina, na cozinha ou no com\u00e9rcio\u201d\u00a0[10]<\/a>. Essa compreens\u00e3o parece estar ausente nos ambientes em que predomina a ideia de uma espiritualidade circunscrita ao local do culto e dependente de manifesta\u00e7\u00f5es f\u00edsicas e sensa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Talvez por isso seja comum vermos indiv\u00edduos que, conquanto apresentem uma performance alinhada com a espiritualidade pentecostal durante o culto, no dia a dia d\u00e3o um p\u00e9ssimo testemunho. Pois, na sua concep\u00e7\u00e3o, ser espiritual \u00e9 respirar forte, bater o p\u00e9 no ch\u00e3o, levantar as m\u00e3os, falar l\u00ednguas e saltitar. Fazendo isso, ter um bom car\u00e1ter \u00e9 desnecess\u00e1rio. J\u00e1 o crist\u00e3o tradicional entende que a espiritualidade diz respeito a toda a sua vida. Tudo o que ele faz, comer, beber ou qualquer outra coisa, deve ser para a gl\u00f3ria de Deus (1Cor\u00edntios 10.31). A express\u00e3o latina\u00a0Coram Deo<\/em>, bastante utilizada por crist\u00e3os reformados, resume muito bem essa ideia. Haja vista que seu significado (perante Deus) remete \u00e0 compreens\u00e3o de que devemos viver cada momento na presen\u00e7a de Deus, a qual est\u00e1 alinhada com o ensino b\u00edblico de Colossenses 3.17: \u201cE, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele gra\u00e7as a Deus Pai\u201d. Em suma, como afirmou R.C. Sproul, \u201cviver\u00a0Coram Deo\u00a0<\/em>\u00e9 viver a vida inteira na presen\u00e7a de Deus, sob a autoridade de Deus, para a gl\u00f3ria de Deus\u201d[11]<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Sob essa \u00f3tica, o culto ainda que seja uma parte importante da espiritualidade crist\u00e3 n\u00e3o \u00e9 suficiente para defini-la. Visto que, como falamos, deve existir coer\u00eancia entre os momentos de devo\u00e7\u00e3o e a vida pr\u00e1tica. De modo que o novo nascimento e o processo de santifica\u00e7\u00e3o sejam evidenciados no cotidiano. Sendo assim, os indicadores pentecostais de espiritualidade perdem o sentido. Afinal, por mais que a B\u00edblia fale de epis\u00f3dios em que pessoas falaram l\u00ednguas e profetizaram, em nenhum momento \u00e9 dito que essas pr\u00e1ticas eram acompanhadas por pulos, tremedeiras, respira\u00e7\u00f5es fortes ou p\u00e9s batendo no ch\u00e3o. De acordo com o ensino b\u00edblico, o culto era e deve ser organizado (1Cor\u00edntios 14.40), racional (Romanos 12.1) e tem de conter os seguintes elementos: ora\u00e7\u00e3o (1Tim\u00f3teo 2.8; 3.14,15), leitura da B\u00edblia (1Tim\u00f3teo 4.13), c\u00e2nticos (Colossenses 3.16), Ceia do Senhor (1Cor\u00edntios 11.17-34), batismo (Mateus 28.19), ofert\u00f3rio (1Cor\u00edntios 16.2), prega\u00e7\u00e3o da Palavra (2Tim\u00f3teo 4.2) e a\u00e7\u00e3o de gra\u00e7as (Filipenses 4.6). Isso \u00e9 o que vai caracterizar um culto como b\u00edblico e espiritual, e n\u00e3o as sensa\u00e7\u00f5es de \u201ccargas positivas\u201d ou \u201cnegativas\u201d. At\u00e9 porque, como vimos, isso tem mais a ver com o espiritismo que com o cristianismo.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 claro, entretanto, que a devo\u00e7\u00e3o crist\u00e3 n\u00e3o \u00e9 apenas coletiva. Ela tamb\u00e9m possui um aspecto individual, que se manifesta mais frequentemente na esfera privada (Mateus 6.6). Por\u00e9m, vale ressaltar que a adora\u00e7\u00e3o coletiva inclui, necessariamente, a individual. As ora\u00e7\u00f5es coletivas, por exemplo, requerem v\u00e1rias posturas de devo\u00e7\u00e3o individual. De igual modo, durante a prega\u00e7\u00e3o, cada indiv\u00edduo deve assumir uma postura reverente e atenta. Tudo isso para a harmoniza\u00e7\u00e3o do culto coletivo, a fim de glorificar o Todo-poderoso. Contudo, \u00e9 necess\u00e1rio frisar que ainda que algu\u00e9m n\u00e3o esteja em sintonia com o prop\u00f3sito dos demais, isso n\u00e3o afetar\u00e1 a espiritualidade e nem o andamento do culto. Jesus deixou isso bem claro ao contar a par\u00e1bola do fariseu e do publicano. Ele disse que esses dois homens subiram ao templo para orar. Chegando l\u00e1, os dois, no mesmo lugar, ao mesmo tempo, oraram. O fariseu fez uma ora\u00e7\u00e3o carnal, cheio de orgulho por sua espiritualidade mostrada aos olhos de todos, enquanto o publicano apenas reconheceu sua condi\u00e7\u00e3o de pecador miser\u00e1vel e clamou pela miseric\u00f3rdia divina. De acordo com Jesus, ele desceu justificado. Isto \u00e9, a falta de espiritualidade do fariseu n\u00e3o atrapalhou a devo\u00e7\u00e3o do publicano. Igualmente, se algu\u00e9m no culto n\u00e3o estiver \u201cligado\u201d a adora\u00e7\u00e3o coletiva n\u00e3o ser\u00e1 deficiente, mas sim a devo\u00e7\u00e3o pessoal de quem estiver nessa condi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Em face do exposto, conclu\u00edmos que \u201cculto arrastado\u201d n\u00e3o existe. \u00c9 apenas uma express\u00e3o cunhada por pentecostais para nomear a situa\u00e7\u00e3o em que os elementos do culto pentecostal est\u00e3o ausentes. Ou seja, trata-se de algo ligado exclusivamente \u00e0 experi\u00eancia, e n\u00e3o \u00e0s Escrituras. Isto posto, \u00e9 imperioso refletirmos acerca da maneira como entendemos o culto e a espiritualidade crist\u00e3. N\u00e3o podemos permitir que esse entendimento seja guiado por pensamentos oriundos da religiosidade popular ou da experi\u00eancia pessoal. \u00c9 a B\u00edblia quem deve nos guiar! Do contr\u00e1rio, teremos de abrir m\u00e3o do princ\u00edpio sola scriptura<\/em>. N\u00e3o d\u00e1 para servir a dois senhores! Ou seguimos a experi\u00eancia ou a B\u00edblia. Usar a experi\u00eancia como instrumento hermen\u00eautico seria o mesmo que abandonar a Palavra de Deus. Por conseguinte, \u00e9 a Escritura que deve determinar a forma como devemos proceder e interpretar a realidade. Nada al\u00e9m das Escrituras.<\/p>\n\n\n\n

Pr. Cremilson Meirelles<\/strong><\/p>\n\n\n\n

\n\n\n\n

[1]<\/a>\u00a0ZEUS, Cl\u00e1udio.\u00a0Umbanda sem medo.<\/em>\u00a0Vol. III. Joinville, SC: Clube de Autores, 2011, p. 29.<\/p>\n\n\n\n

[2]<\/a>\u00a0Cf. Cargas negativas, ambientes pesados… Dispon\u00edvel em\u00a0CEIFA DE LUZ: Cargas negativas, ambientes pesados… (ceifadeluzespirita.blogspot.com)<\/a>\u00a0Acesso em 20 fev. 2022.<\/p>\n\n\n\n

[3]<\/a>\u00a0PINTO, Altair.\u00a0Dicion\u00e1rio da Umbanda<\/em>. 6 ed. S\u00e3o Paulo: Editora Eco. 2007, p. 155.<\/p>\n\n\n\n

[4]<\/a>\u00a0Como surgem as doen\u00e7as? O espiritismo explica<\/em>. 2009. Dispon\u00edvel em https:\/\/www.luzespirita.net\/como-surgem-as-doencas-o-espiritismo-explica\/<\/p>\n\n\n\n

[5]<\/a>\u00a0PASTORINO, C. Torres.\u00a0T\u00e9cnica da Mediunidade.<\/em>\u00a03 ed. Rio de Janeiro: Editora Sabedoria, 1975 p. 17.<\/p>\n\n\n\n

[6]\u00a0<\/a>PASTORINO, 1975, p. 13.<\/p>\n\n\n\n

[7]<\/a>\u00a0PASTORINO, 1975, loc. cit.<\/p>\n\n\n\n

[8]<\/a>\u00a0OLD, Hughes Oliphant.\u00a0What is Reformed Spirituality? Played Over Again Lightly<\/em>. In: LEITH, J. H. (Org.). Calvin Studies VII. John Calvin Studies. Davidson, N.C., 1994, p. 61-68.<\/p>\n\n\n\n

[9]\u00a0<\/a>Op. cit.<\/p>\n\n\n\n

[10]<\/a>\u00a0Op. cit.<\/p>\n\n\n\n

[11]<\/a>\u00a0SPROUL, R. C.\u00a0What Does \u201cCoram Deo\u201d Mean?<\/em>\u00a0Dispon\u00edvel em\u00a0https:\/\/www.ligonier.org\/learn\/articles\/what-does-coram-deo-mean<\/a>\u00a0Acesso em 20 fev. 2022.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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