No início do livro de Eclesiastes, encontramos: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; não há nada novo debaixo do sol” (Ec 1.9). Estranho, você não acha? Não do ponto de vista do autor, que possivelmente foi o rei Salomão. Existem formas e formas de considerarmos o tempo. Por exemplo: um é o tempo cronológico, marcado por dias, horas e minutos. Outra coisa é o tempo subjetivo, psíquico, que não é regido pelo calendário. É dentro desse contexto que o novo deixa de ser novo, tornando-se uma repetição.
Mas em que consiste essa repetição? Por que repetimos comportamentos, pensamentos e emoções, mesmo depois de falarmos, em tom de compromisso: “Daqui pra frente, tudo será diferente”? Por que, mesmo estando frente a possibilidades reais de sucesso, algumas pessoas se autossabotam, repetindo erros primários? Em geral, a autossabotagem está associada a crenças limitantes sobre si mesmas. Ou seja, à insegurança. De onde vem essa insegurança? Vem do sentimento de desamparo, em especial no período da infância. A insegurança é resultado desse sentimento de desamparo que não foi superado e que, por não ter sido, é repetido, sem que a pessoa se dê conta disso.
A prática da autossabotagem não é um movimento consciente. Ninguém diz para si mesmo: “Eu vou me autos- sabotar nessa situação”. Trata-se de um movimento inconsciente, que aparece na repetição. Freud diz que, em algumas pessoas, a repetição aparece a partir de uma “massa de sonhos e associações confusas”, onde a pessoa se queixa de não conseguir sucesso em nada e de estar sempre fadada ao fracasso em todos os empreendimentos. (Freud, 1914 – “Recordar, repetir e elaborar”).
Mas, mesmo frente ao sentimento de insegurança, que faz com que a pessoa se autossabote, é possível alcançar o “sucesso”, pagando um preço alto por ele. No texto “Arruinados pelo êxito” (1916), Freud diz que a frustração interna se faz presente, adoecendo a pessoa por conta do êxito. Nesse sentido, o adoecimento é uma forma de não usufruir da conquista, porque a pessoa não se sente merecedora da quela conquista, daquela realização. É plenamente possível que uma pessoa esteja vivendo um momento ótimo e, mesmo assim, sentir-se desconfortável e não realizada.
Tem uma expressão comum, muito utilizada em palestras motivacionais, que diz: “Nada muda, se nada muda”. Verdade! A questão é que as mudanças significativas da vida não acontecem de modo automático, apertando o botão “on” do controle remoto. Muitos pensam que é assim. E há quem diga, tirando proveito do sofrimento alheio, que é assim mesmo. Mas quem quer mudar de modo automático, sem se deparar com sua história, acaba in variavelmente repetindo as mesmas ações.
É preciso reconhecer que é no confronto com a própria história que reside o verdadeiro poder transformador. Não basta querer mudar; é preciso se aventurar nas camadas mais profundas de si mesmo, revisitando dores, regularizando padrões e aceitando aquilo que foi negado. Somente as sim a reprodução dá lugar à criação de algo novo, genuíno e libertador.
Mudar não é um ato de mágica, mas de coragem – coragem de olhar para dentro, de romper com o conforto do conhecido e de se abrir para o desafio do desconhecido. Não despreze o aprendizado dos anos anteriores. Até porque o novo não surge do acaso, mas dos impasses, dos enfrentamentos e, por que não dizer, do reconhecimento das repetições que impedem que o que é verdadeiramente novo apareça.
Pr. Ailton Gonçalves Desidério – Pastor PIB Lins/RJ – Mestre em Psicologia – UFRJ Psicólogo Clínico – CRR 27744