Questão de Gênero

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No final do mês passado, aconteceram, em boa parte do mundo, comemorações alusivas aos 507 anos da reforma protestante.

Acontecimento histórico e importante na vida da humanidade, ela acontece no período inicial da idade moderna, com repercussões até os nossos dias.

Movimento de reposicionamento de conceitos cristãos bíblicos doutrinários, a reforma protestante, teve como ideal de levar a igreja à época, para seus originários ideais fundantes.

Ela ocorre e se consolida no início da idade moderna, período em que o mundo experimentava muitas, grandes e significativas evoluções.

Ao mesmo tempo em que o monge agostiniano alemão, Martinho Lutero, um dos ícones do movimento reformista, afixava suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg – Alemanha, o mundo vivia outras grandes mudanças.

Época das grandes navegações, para as Américas e Índias, período inclusive do descobrimento de nosso país.

Surgimento do movimento renascentista, com impacto no mundo literário, artístico e científico.

É possível, segundo estudiosos, que além da reflexão bíblica e oração, o reformador alemão, tenha sido também influenciado pelo movimento renascentista.

O advento do iluminismo, que amplificava a oposição ao dogmatismo religioso, trabalhando a vertente da centralidade cientifica e da racionalidade, era outra frente de forte confronto com a igreja instalada.

No bojo dessas radicais mudanças, ampliando e consolidando o formato da vida em clãs ou tribos, acontece a formação primeira do Estado Nacional e com ele o crescimento de uma burguesia, que unidos passaram a defender o absolutismo, como regime de governo.

Regime que defendia o poder absoluto do monarca, tendo sido esse modelo de governo personificado por Monarca da época, que em histórica frase, bem exemplificou o espírito do absolutismo quando afirmou: “L’État c’est moi“, o que venha a ser “O Estado sou eu”.

Horror! 

Datam dessa época também, as revoluções inglesa e francesa, essa última, com mudanças radicais na forma e no agir político e social.

O impetuoso vento que soprava essas mudanças, alcançou também a música, onde surge com vigor e novas sonoridades, a música clássica.  

A partir daí seriam aplicadas, na música, novas técnicas de composição e uso disseminado de novos instrumentos, com incipiente aparato tecnológico.

Nesse período, o mundo é premiado com surgimento de músicos que marcariam a história, com a busca intensa da perfeição, pureza, equilíbrio, finas sonoridades, rigor e beleza estética.

Saindo do padrão usual de nossas crônicas em citar nomes, mas, em homenagem a boa música, lembro, entre outros de: Johann Sebastian Bach, Antônio Vivaldi, George Friedrich Handel, Ludwig Van Beethoven e Wolfgang Amadeus Mozart.

Esse movimento sensibilizaria o mundo das artes, com repercussões nos primeiros passos da reforma protestante.

Anos depois, com a confecção e uso de coleção de hinos, que passaram a compor os hinários do culto cristão, agora na perspectiva reformada, essa influência também estaria presente.

Era um mundo em fantástica ebulição, atingindo mudanças inimagináveis.

É nesse tormentoso e caudaloso rio de mudanças, onde no seu percurso acontecem abruptas e fortes modificações, que o monge Martinho Lutero singra seu pequeno batel, de onde pontifica suas ideias da reforma protestante, fundamentadas biblicamente e sintetizadas em Cinco Solas.  

Maravilhosa visão dada por Deus a esse jovem monge, que entraria para a história, como notável reformador.

Duras e cruéis perseguições, movidas pelas autoridades religiosas e monarcas da época, se instalaram contra a Reforma Protestante, não sendo poucos os que perderam suas vidas por serem reformadores.

Mesmo nesse quadro de transição, inúmeros foram os ganhos na vida espiritual de imediato, trazidos pela reforma protestante, dentre eles:

  • Amplo acesso à Bíblia Sagrada, para livre e individual exame.
  • Bíblia como única regra de fé e prática.
  • Impressão, produção e distribuição da Bíblia. Essa conquista foi alcançada graças ao invento da imprensa, pelo alemão Johannes Gutenberg, sendo a primeira Bíblia, nesse formato, impressa em 1460.
  • Leitura uníssona congregacional da palavra de Deus nos cultos públicos.
  • Necessidade de pública declaração de fé, para compor o corpo de Cristo, a igreja.
  • Reconhecer como ordenança religiosa o Batismo e a Ceia, crendo serem atos memoriais, que mesmo não conferindo graça especial, são ricos na certeza de que juntos celebraremos a almejada volta triunfante de Cristo.
  • Sacerdócio universal do crente, pois além da leitura da -Bíblia, palavra de Deus, da autoridade da pregação do evangelho de Jesus, o crente tem acesso livre à presença de Deus, através da oração. 
  • Defesa e prática da liberdade religiosa.
  • Definitiva separação de Igreja e Estado.
  • Cântico congregacional.

Por inspiração e confirmação divina, a reforma protestante segue seu curso natural, avançando na Europa e, em seguida, vindo para o novo mundo – América.

No novo mundo, onde os emigrantes traziam, em sua grande maioria, duras lembranças de recentes perseguições religiosas sofridas no continente europeu, por conta de terem abraçado a reforma, o protestantismo encontrou solo fértil.

No continente americano, a reforma deu largos e firmes passos, especialmente na América do Norte, de onde logo cedo, passou a influenciar outros povos e nações.

Assim, naquele ano, chegam ao nosso país, os casais Bagby e Taylor, que se alojando em São Paulo, na cidade de Santa Bárbara do Oeste, fundariam a primeira Igreja Batista no Brasil.

A histórica trajetória dos protestantes com fundamento batista no país, tem sido de desafios, lutas, conquistas, perdas, sofrimento, perseguições, incompreensões, avanço, alegrias, compaixão e vitórias em Cristo.

A pregação do evangelho no país, e especialmente no Nordeste teve características próprias.

De início, confrontos e perseguições, desaguando em prisões, mortes e queima de Bíblias em praça pública.

É bem possível, que também, por parte dos protestantes, tenham à época, ocorrido excessos.

Na tentativa de descontruir a nova mensagem, além de protestantes, os crentes eram chamados de nova seita, visando com essa categorização, remetê-los à condição de crendice ou de religião anátema. Algo comparável a quadro de pessoas com distúrbio mental. 

Outra referência depreciativa aos crentes, no início, ocorria nos sertões quando eram denominados de bodes.

Esse fato ocorria pelo paralelo criado entre o crente que muito cantava na igreja e o bode, especialmente, os cabritos, que perdidos nas caatingas nordestinas, passavam a berrar, emitindo longos e intermitentes sons.

Uma das fontes dessa comparação depreciativa, segundo alguns musicistas, teria origem no cântico congregacional, de forma exaustiva, do hino 116 do hinário cantor cristão, que na versão antiga cantava de forma lenta, ou como se diz na região, de forma arrastada, assim cantava:  … mestre … mestre … ouve com favor …

Nesse período, nas igrejas protestantes em nosso país, o cântico congregacional se expandia.

Alguns poucos órgãos de pedais, acordeons, rabecas, coros orfeônicos, e pontuais músicas solos, ganhavam espaço na liturgia nativa.

Nesse cenário, em vários locais, surge a figura do Puxador de Hino, ou seja, aquele que indo à frente, iniciava os cânticos congregacionais.

A música congregacional engatinhava nessa terra descoberta por Cabral.

Em seguida aparece a figura do ensaiador, como músico prático, que arregimentando fiéis, com alguma vocação musical ou não, formavam os primeiros conjuntos corais.

Não era fácil, pois cantavam basicamente de ouvido, quase sempre, não dispunham de partituras nem tampouco de apoio instrumental.

Era como dizia um conhecido e requisitado ensaiador nordestino: “Os tons do coro tinham que ser captados de ouvido e, muitas vezes o cântico, somente no gogó.”

Aleluia!

Se contrapondo a essa realidade de enormes rupturas, o evangelho, de fundamento protestante, crescia nas capitais e de forma especial no interior, tendo como motor desse avanço nos sertões a figura do evangelista.

Normalmente eram homens simples, pouco letrados, sem apego a bens, com vida itinerante, a serviço de Deus.

Atuavam nas ruas, praças, sítios e até em coletivos, demostrando um compromisso e vigor com a pregação do evangelho, creio, sem paralelo.

Eram ou são homens e mulheres que, parafraseando autor bíblico, registramos: “Andaram errantes pelos desertos e montes, vivendo em cavernas e em buracos na terra. Homens que o mundo não era digno deles!”. Hebreus 11:38.

Glória a Deus!

Segundo alguns que conheci, o único objetivo e centralidade de suas vidas era anunciar o evangelho e ganhar almas para Jesus.

Oh glória!

Vários evangelistas tiveram atuação decisiva também na distribuição da Bíblia no país, pois atuavam também como colportores, fazendo chegar aos lares, não somente a Bíblia, como livros religiosos e até hinários, conhecidos como cantor cristão.

Superando históricos obstáculos, o protestantismo tem buscado andar pelos verdadeiros caminhos indicados pela Bíblia.

Ainda sobre bodes, a igreja de hoje, dita contemporânea, convive, na expressão de louvor e adoração, com realidades musicais desafiadoras.

Os interesses musicais, que deveriam ser apenas, adoração e louvar a Deus, tem sofrido com percepções outras.

O louvor, adoração, momentos musicais em grupo, poesia, e o cântico congregacional, como ganho da reforma protestante, tem perdido força, abrindo, em algumas oportunidades, espaço para enfoques que, nas mais das vezes, contrariam o espírito de verdadeiro culto.

São tantas as possibilidades que têm a igreja de fazer do momento de louvor e adoração, algo inspirador, reconfortante e edificante.

Mas, não tem sido sempre assim. Em alguns casos, há momentos de louvor que passa a ideia de preenchimento de tempo ou até mesmo, pasmem, de auto exibição.

O valor da música congregacional no culto, como ganho da reforma protestante precisa sempre ser lembrado, pois quando, por alguma razão, nos falta música congregacional nos cultos, fica uma enorme sensação de vazio.

Pelo menos em mim.

Esta não é só uma questão de gênero e espaço musical, é um entendimento de que, do louvor no culto, todos podem e devem participam em adoração, louvor e alegria.

Aleluia!

Oh glória!!

Dc. Lyncoln Araújo

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