Será que o modelo de ministério pastoral que temos adotado por décadas tem demonstrado estar perdendo o fôlego? Nas Igrejas é notória a presença cada vez maior de alunos universitários, profissionais liberais, executivos, micro empresários, empresários etc., que, por sua posição na vida, acabam necessitando de suporte bem mais amplo do que normalmente se observa na formação teológica, que geralmente prepara o ministro para a pregação, para o serviço interno da Igreja, mas nem sempre pode estar fornecendo-lhe instrumentos eficazes e necessários para capacitá-lo a conseguir transpor o ensino bíblico, teológico e exegético para a prática concreta da vida cotidiana e contemporânea onde Deus e a vida religiosa já não são mais fornecedores privilegiados e únicos de significação da vida para as pessoas. E, nessa cultura, Deus e a vida religiosa acabam sendo colocados em território de com petição e concorrência com outros ideais de vida próprios da ideologia e cultura hipermoderna, tais com o o eu próprio/subjetividade como fonte de toda verdade e decisão, fisiculturismo, entretenimento, esportes radicais, lazer, viagem etc.
Em outras palavras, para membros da Igreja já não basta mais dizer “disse Deus”. As pessoas hoje desejam saber o como e o porquê das coisas, querem decidir por conta própria em um mundo plano onde todos e cada um são autoridade máxima para escolher o que melhor desejar e “sentir” para a vida. A autoridade sobre tudo isso hoje é a própria pessoa, o próprio indivíduo, sua própria vontade e paixões. Também dizer “eu sou o pastor da Igreja!” parece já não funcionar mais, pois há o risco de se receber a resposta “e daí, eu é que pago o teu salário!”
Nos seminários, em geral, temos preparado pastores para que exerçam com autoridade o ministério, mas será que estamos preparando pastores e ministros que exerçam com credibilidade o ministério e, por isso, alcancem a autoridade? Pastores e líderes que tenham vida exemplar, que saibam gerenciar seus sentimentos, que se sintam estimulados a conviver com as pessoas, que tenham vida piedosa, mas também que conheçam profundamente a Bíblia, a Teologia e outras áreas do conheci mento de modo a saber interpretar esse mundo caótico e as ideologias que es tão em suas entrelinhas para que suas ovelhas possam, na segunda feira, viver um Cristianismo significativo, criativo, envolvente e atrativo?
Em nosso modo Batista de pensar e ser sempre rejeitamos a ideia clerical, mas será que o clericalismo tem alcançado a prática por meio do modelo pastoral que temos? Tenho notado em inúmeras assembleias convencionais que os chamados “leigos” acabam ficando em segundo plano, seja por não terem sido envolvidos nos meandros denominacionais, seja porque, em geral, a ocasião de muitas assembleias acabe sendo em época inoportuna para que o “membro comum” da Igreja possa deixar seu trabalho (de onde vem o sustento pastoral) para estar presente e até ser eleito para funções de gestão nas estruturas convencionais. Lembro-me que em São Paulo nos esforçamos e conseguimos que se tirasse do Estatuto da Convenção regime que só permitia a eleição de alguém como membro de Conselhos e Juntas se estivesse presente na assembleia. Infelizmente, isso ainda está presente no Estatuto da Convenção Batista Brasileira e com o agravante de que deve estar presente na atual e anterior assembleia.
Vivemos na época de performance, da busca por soluções para os dilemas germinados pela cultura hipermoderna, que coloca o indivíduo e sua subjetividade como ponto de partida da legitimação e razão da vida. As pessoas já não estão mais interessadas na eternidade, nas ruas de ouro da Nova Jerusalém. Vivemos em um mundo em que os meios massivos de comunicação buscam valorizar a diversidade e a busca por atravessar as fronteiras da prática moral e ética onde tudo é válido desde que traga a “felicidade” individual, uma cultura do “vale tudo”!
Será que nossos púlpitos têm conseguido trazer respostas seguras e bíblicas para este turbilhão de contestações? Será que o clássico plano da salvação, cimentado em um evangelho escatológico, que valoriza a morte e a busca pelo além, estaria conseguindo demonstrar a profundidade da mensagem bíblica apontando para uma significativa razão de viver desde aqui e agora? Uma vida transformada de testemunho real como sal e luz (Mt 5.13ss)?
Tudo isto aponta para a urgente transformação do modelo de formação teológica e ministerial, que necessita deslocar o conceito de formação de obreiros para a formação de líderes. Obreiros em geral são reprodutores, copiadores; são operadores práticos de um sistema; são treinados (domesticados?!) para cumprir o verbo FAZER, administrando e focalizando o dia a dia das atividades da Igreja, não necessariamente a ter uma visão de futuro e a interpretar este mundo levando em conta tanto o ensino bíblico-teológico (como seu ponto de partida), mas também considerando análises do ambiente cultural e ideológico em que vivemos e as tendências que estão cimentando o chão para novos, complexos e caóticos cenários, mobilizando sua visão em busca de caminhos seguros para que o povo de Deus possa não apenas sobreviver, mas também SABER viver, participar, ativa, construtiva e criativamente em influenciar a realidade histórica em que vive.
Tendo líderes deste naipe poderemos recuperar a função profética da Igreja neste mundo. Mas necessitamos mais, necessitamos de seminários que sejam escola de profetas, mas também escola de líderes, de conselheiros, de educadores, de mestres, de gente que pastoreie o povo de Deus com sabedoria, criatividade e atualidade, que saiba se valer de uma apologética dialogai (pois a contestatória já não conquista quase mais ninguém).
Por um lado, nossos púlpitos necessitam com urgência atenuar a ênfase cartesiana e racional das mensagens. Por outro lado, deixar de ser fonte de autoajuda para ser fonte da ajuda do alto, mas também ser fonte desafios e mobilização para uma Igreja que se fortaleça em influenciar o mundo com o Evangelho transformador por meio de vidas autênticas que vão além de um plano de salvação apenas conceituai.
No pastoreio precisaremos recuperar o sentido dos valores cristãos para serem vividos no cotidiano tratando o povo de Deus como gente e não como anjos ou seres que estão apenas esperando a morte chegar para conquistar a eternidade. São seres vivos e reais, com vida concreta diante dos dilemas cotidianos. Precisamos voltar a falar ao coração das pessoas, não apenas ao seu cérebro e cognição! Vamos aceitar esse desafio?
Pr. Lourencio Stelio Rego
Extraído do OJB