Na cama da UTI com Samuel

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Os dias têm sido maus. Um sentimento de perda eminente que não é apenas o abstrato, puramente psíquico, provocado pela pandemia, mas é objetivo, pois tem rostos, famílias, igrejas, endereços, CPFs, enfim.

Ontem perdemos nosso irmão Gesciel. Nesses quase 4 anos de volta a Pernambuco, tivemos uma única conversa, mas seu irmão, Josias, mesmo morando fora do Brasil, tem sido um amigo que faz parte de um pequeno grupo com quem me sinto extremamente à vontade para conversar, por ser ele daquele tipo que é capaz de ouvir não pelo que se ganha ou se perde com a relação, nem por afinar-se ou não com a ideologia, mas pela companhia, pelo prazer de conviver.

Por isso senti ainda mais a partida de Gesciel, seu irmão, aos 50 anos.

Hoje começo o dia em luta por Samuel. A médica indicou 24 horas para estabilização. E se não estabilizar? É difícil não se perguntar depois de tantas perdas de pessoas queridas num espaço tão curto, pela mesma doença.

Samuel parece um colega que conheci há muitos anos. Mas foi ontem mesmo, em julho de 2019, que nos conhecemos e começamos a trabalhar juntos. Com ele tenho me dado ao direito de brincar, abusando da minha idade e alertando-o como pai, sobre determinadas situações.

Samuel nunca se apresentou como negacionista, nunca foi a público fazer propaganda de remédio sem ser médico, nem defender posições dialogalmente irracionais. Se fazia escolhas diferentes da que eu faria nesse quadro de pandemia, fazia por suas idiossincrasias, como faço eu também pelas minhas, mas não por provocação ideológica ou por disputa político-teológico-denominacional-partidária, muito menos por possuir coração movido a ódio, aversão ou fobia.

Hoje amanheço o dia com meu amigo Samuel na UTI e, pela fala médica, estou contando as horas para que ele reaja e se estabilize. O coração entrega nas mãos de Deus; o corpo reage instintivamente. E assim, entre entrega espiritual e reação corporal, amanheci contando os segundo que estão parecendo uma eternidade, como que lutando ao lado dele, na cama da UTI.

Pr. Edvar Gimenes de Oliveira

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