Jurista afirma que cristãos têm sofrido perseguição institucional

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Dr. Gilberto Garcia é presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB/Nacional Instituto dos Advogados Brasileiros.

A Constituição Federal estabelece a separação entre Igreja e Estado, o que subentende que o governo é laico, ou seja, não pode ter uma religião oficial e nem tomar decisões fundamentadas em determinada religião. Contudo, isso não significa que grupos religiosos não possam atuar na esfera pública, falar de sua fé e defender seus interesses no âmbito legislativo. Esse foi um dos pontos defendidos pelo advogado, professor e Mestre em Direito Gilberto Garcia, que é presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB/Nacional Instituto dos Advogados Brasileiros.

O jurista analisa que, na contemporaneidade, existe um movimento que quer privar os cristãos de atuar na esfera estatal. Segundo ele, trata-se de “cristofobia”, um fenômeno que, inclusive, já vem sendo estudado também em outros países e hoje é uma realidade no Brasil.

Garcia admite que existem excessos por parte de alguns evangélicos, mas, na sua visão, esse grupo é uma exceção à regra. Para ele, os cristãos eleitos para o Legislativo estão no Parlamento para representar os interesses da comunidade evangélica, assim como o faz qualquer outro segmento. “Cada movimento da sociedade elege seus representantes e, por isso a Democracia é representativa”, declarou o professor. Confira, a seguir, tudo o que disse Dr. Gilberto Garcia.

Quais são os limites entre Estado e religião?

Gilberto Garcia: A meu ver, há o que eu chamo de dois trilhos. O primeiro é o artigo 5º, inciso 6º da Constituição Federal. O que diz? Que a sua fé e a minha fé são invioláveis. Liberdade de crença e consciência no Brasil. Isso significa que nem poderes públicos e nem privados têm o direito de se imiscuir, de contestar, de rejeitar a sua fé. Ela é sua. E aí não importa se ela é minoritária ou majoritária. No Brasil, nós não temos esse tipo de critério. Qualquer grupo que creia em alguma coisa que tenha o viés sobrenatural e espiritual, transcendente, tem a proteção constitucional de que isso é inviolável.

E o artigo 19, inciso I, é o outro trilho, que fala sobre a separação entre Igreja e Estado. A Constituição Brasileira não tem a expressão laico nem laicidade. O que a Constituição diz é que haja uma separação entre Igreja e Estado. Nem o Estado, governo federal, governo estadual, governo municipal, Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, em seus níveis de esferas, vai intervir no culto, na ideia religiosa, na sua fé. Se na sua igreja a ceia vai ser com suco de uva, isso é assunto doutrinário. É nesse ponto que essa laicidade do artigo 19, inciso I, vai dizer: Estado, você não intervém aqui; Igreja, você não intervém lá.

Quando Igreja e Estado podem atuar juntos?

Pode haver questões colaborativas. Há igrejas que, durante as eleições, são utilizadas como sessões eleitorais. Elas cedem espaço para o tribunal. Na pandemia, tivemos igrejas que cederam espaço para vacinação, remédio e orientação. Então, há parcerias, mas um não intervém no outro. Mas a igreja está sujeita a todas as obrigações legais, por exemplo, ao contratar um empregado, precisa assinar a carteira dele, recolher férias. Ou seja, existem leis que regem a atuação da Igreja na sociedade.

Como analisa o direito do cristão de participar da política?

Martin Luther King trouxe uma proposição que ele chamava de dois governos. Há um governo secular e um governo espiritual. Nós estamos vivendo nesse mundo, então, temos obrigações com este mundo. No caso do Brasil, nós escolhemos a Democracia; o cidadão tem não só o direito de votar, é dever e é direito de influenciar, de exercer a cidadania. Enquanto cidadão, eu não consigo perceber esse cristão fora do mundo.

As aflições do mundo, a conta de luz, a conta de água, o preço da comida, o preço da passagem, o que ele vive, o aluguel que ele paga, a dificuldade de ser atendido no hospital, de ter uma vaga numa creche, de ter uma boa escola, tudo isso envolve o cristão. Também entendo que ele é cidadão de duas pátrias. Gosto de usar essa expressão, a pátria celeste e a pátria terrestre. Na pátria terrestre, é obrigação minha ser o agente proativo para que esta pátria seja a melhor possível na minha atuação.

E quanto ao cristão se candidatar a cargos públicos?

Se eu sou cristão, eu não só tenho o direito, como tenho o dever, se eu tenho condições, de disputar os cargos de vereador, deputado federal, deputado estadual, senador, presidente, governador, prefeito, para que eu possa dar a minha contribuição enquanto cidadão.

Não que eu vá querer transformar a cidade, a Câmara, a Assembleia, o Estado ou o país em uma igreja. O prefeito, seja evangélico, cristão, candomblecista, católico, muçulmano, judeu da fé judaica, oriental, tem o direito de ter sua fé, mas o exercício da cidadania dele é em prol da sociedade. Nesse entendimento, eu penso que é fundamental a atuação dos cristãos e evangélicos, especialmente.

Isso se chama ocupar os espaços que o cidadão tem direito a ocupar para, estando nesses espaços, usar o que a gente chama de princípios, valores e crenças do Reino. Quando a gente está no espaço público, é para ser luz. e não no sentido de pregar. Nesta linha do meu entendimento, a atuação do cristão evangélico é literalmente para ser sal da terra e luz do mundo, enquanto a sua atuação é em prol de toda a sociedade.

Na sua avaliação, existem alguns evangélicos que atuam hoje na esfera pública que, em função da sua religião, ferem esse princípio de separação entre Estado e Igreja?

Tem, sim. Tem gente que quer fazer do espaço público um espaço privado, para pregação da fé, para a implantação do que alguns chamam de Estado Fundamentalista. Pelo menos na minha leitura, não é essa a percepção bíblica. Na minha perspectiva, isso existe, mas são exceções. E devem ser por nós alertados, devem ser por nós, no sentido geral, orientados de que a fé vem pelo ouvir a palavra de Deus. Como diz o Espírito Santo, nem por força, nem por violência, mas pelo meu espírito.

Lembrando que, se eles ocupam espaço no Executivo ou no Judiciário, eles têm todo o direito de ser aquilo que são enquanto têm a sua fé. Mas eles não podem usar a caneta do Executivo nem do Judiciário para prejudicar, para facilitar, para ajudar, para criar obstáculos, porque é isso que o artigo 19 diz. Agora, se ele é do Legislativo, aí eu percebo algumas dificuldades de algumas pessoas entenderem isso. O deputado está lá defendendo uma pauta que tem a ver com a Igreja. Ele foi eleito para isso. Ele é um representante de determinado grupo. A Democracia que construímos está fincada sobre essa percepção. E ele está lá para defender essas pautas, como todos os outros grupos estão lá para defender suas pautas. E, na maioria dos votos, a Democracia se fará com legislação no geral.

Então, não é que ele está lá defendendo a Igreja; ele está lá para defender as pautas da Igreja. A visão dos crentes, de quem votou nele. Assim como o sindicalista está lá para votar nas pautas dos sindicalistas. Cada movimento da sociedade elege seus representantes e, por isso a Democracia é representativa.

E quando esse grupo que representa a comunidade evangélica ou cristã tenta impedir a defesa da pauta de outros grupos porque esta fere a dele?

Esse embate das pautas é a coisa mais natural possível. Nós pensamos diferente. Nós temos valores diferentes. E que bom que é assim, senão ia ser uma coisa só, única. E quando isso vai para um espaço democrático, essas diferenças são da maioria. Ou seja, se eu estou num Parlamento e tem uma pauta que é contrária àquilo que eu tenho como visão de vida, eu vou trabalhar para que aquela sua visão de vida não seja vencedora. Respeitando o seu direito de pautar. Respeitando o seu direito de trazer para o embate. Mas são os votos da maioria que vão dizer se aquela sua visão prevalecerá ou não.

É importante registrar que a gente tem um movimento muito grande hoje, internacional, de laicização. A gente chama de querer “higienizar” a vida pública no Brasil. “Fale de sua religião na sua igreja e na sua casa. Não fale de sua religião em espaços públicos”.

O que vem a ser esse movimento?

Isso é “cristofobia”. É uma atuação do Estado intervindo numa percepção que não é nem religiosa. Mas veio o Ministério Público e usando esse argumento laicizante, dizendo que aquilo feria a separação entre Igreja e Estado. Mas não há base jurídica para isso.

A liberdade dos cristãos está sendo perseguida?

Nessa linha laicizante ela vem sendo, em várias situações, de certa maneira, cerceada. Com leis cerceadoras. Querem proibir a pregação pacífica, a pregação das suas ideias etc. Porque o outro se sente ofendido.

O que o senhor chama de perseguição?

Um exemplo é o caso de Mato Grosso, onde uma escola pública estadual recebeu o nome de “Assembleia de Deus” pelo Governo do Estado e, por isso, está sendo alvo de investigação pelo Ministério Público daquele Estado. Segundo agentes públicos, tal nominação de uma obra pública seria contrária à laicidade estatal, o que não encontra eco no ordenamento jurídico nacional. Há casos judiciais onde o cidadão é condenado judicialmente porque ele falou da fé dele. Trata-se de perseguição estatal, perseguição institucional. Eu dou o nome de “cristofobia” nesse sentido.

Fonte: Revista Comunhão

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