Dentre as ideologias modernas, provavelmente, a que exerce maior influência sobre o pensamento evangélico é o feminismo. É muito comum nas igrejas, por exemplo, a resistência das mulheres diante de temas como submissão feminina e liderança masculina. De modo que muitas, sem perceber, adotaram uma postura contraditória. Isto é, ao mesmo tempo em que afirmam crer na Bíblia como única regra de fé e prática, se recusam a aceitá-la como autoritativa, acusando-a de machismo, patriarcalismo, etc.
Por conseguinte, a fim de evitar reclamações, alguns pastores optaram por condicionar culturalmente os textos que tratam desses assuntos, limitando sua aplicação ao tempo em que foram redigidos. Assim, declarações como as de Ef 5.22 e 1Co 11.3 foram consideradas produto do machismo do primeiro século, e, portanto, sem valor para os cristãos modernos. Como resultado disso, o feminismo se instalou permanentemente em muitas igrejas. De maneira que os homens se acovardaram e as mulheres assumiram a liderança.
Esse quadro tenebroso evidencia a necessidade de combater essa ideologia maligna, que feminiliza homens e masculiniza mulheres. É imperioso que busquemos nas Escrituras fundamentos para a refutação de suas premissas. Pois, do contrário, cada vez mais, cederemos espaço para que Satanás corrompa as mulheres e, consequentemente, enfraqueça as famílias.
1 – O QUE É O FEMINISMO?
O feminismo é um movimento social, político e econômico, desenvolvido entre o fim do século XIX e meados do século XX, que, em tese, luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens. Contudo, mais que um movimento, o feminismo contemporâneo é uma cosmovisão. Ou seja, é uma forma peculiar de enxergar a realidade, que caminha na contramão da cosmovisão cristã. Haja vista que as feministas buscam mais que igualdade de direitos. Na verdade, elas pregam a inversão de papéis: mulheres agindo como homens e homens como mulheres. Isto é, trata-se de uma revolta contra a natureza feminina. Pois, segundo a ética feminista, a mulher só tem valor se for promíscua, tiver uma carreira profissional bem-sucedida, não engravidar, e, acima de tudo, exercer domínio sobre os homens (pai, marido, namorado, etc). Por isso, quem defende essa ideologia incentiva a feminização do homem e a masculinização da mulher. Uma clara rebeldia contra a vontade de Deus expressa na Criação (Gn 1.27).
2 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO FEMINISMO
Embora o feminismo contemporâneo seja totalmente antibíblico, o início do movimento foi caracterizado por reivindicações legítimas, tais como direito ao voto, à escolha do cônjuge e à posse de propriedades imóveis. Todavia, a partir da segunda metade do século XX, a distinção entre sexo e gênero passou a integrar o discurso. Isto é, a ideia de que ninguém nasce homem ou mulher, mas que o indivíduo se torna uma ou outra coisa em razão do meio em que vive. Esse conceito foi propagado através do livro “O segundo sexo”, redigido por Simone de Beauvior, e publicado em 1949. Nele, consta uma das máximas do feminismo moderno: “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”[1]. Pois, para Beauvior, conquanto o sexo seja um fator biológico, ligado à constituição do corpo humano, o gênero é uma construção social. Isto é, segundo ela não é a genitália que determina o comportamento, mas a sociedade.
O surgimento da pílula anticoncepcional, em 1960, deu ocasião à famosa “revolução sexual”, capitaneada por feministas que viam na suposta “liberdade sexual” a libertação da mulher da opressão sofrida nessa área. Ou seja, agora, assim como os homens, as mulheres podiam experimentar a promiscuidade. Estavam, portanto, lançadas as bases para a licenciosidade pregada pelo feminismo moderno. Não obstante, curiosamente, as feministas desse período eram contrárias à prostituição e à pornografia, porque viam essas práticas como meios de exploração da mulher.
No entanto, a partir de 1990, a defesa da profissionalização da prostituição se tornou uma das principais bandeiras do feminismo, ao lado da legalização do aborto e da lesbianização da sociedade. Esses e outros componentes do discurso feminista contemporâneo o transformaram num inimigo natural da cultura judaico-cristã, o que inclui, necessariamente, a família tradicional e a Bíblia Sagrada. Isso explica sua identificação com o marxismo cultural.
Surpreendentemente, há mulheres evangélicas que entendem que é possível unir fé cristã e ideologia feminista. Sua compreensão é resultado de uma releitura ideológica das Escrituras, que produz conclusões totalmente antibíblicas, como veremos a seguir.
3 – PRESSUPOSTOS DO FEMINISMO EVANGÉLICO
a) Não há diferença de papel ou de autoridade entre homem e mulher
Sem dúvida alguma, esse é o argumento mais empregado por quem advoga o feminismo evangélico. Sua suposta base é o relato de Gn 1 e 2. Pois, conforme as feministas, esses textos apontam claramente a igualdade entre homem e mulher. Afinal, ainda que haja uma clara distinção sexual (Gn 1.27), de acordo com elas, o que predomina é a igualdade. Porquanto, ambos foram criados à imagem de Deus, isto é, são seres pessoais. Semelhantemente, aos dois é dada a ordem de dominar sobre a Criação, o que implicaria exercício de autoridade.
Esse argumento não é de todo falso. Até porque, de fato, em diversos aspectos Adão e Eva foram criados iguais. No entanto, essa igualdade não indica que ambos possuem a mesma autoridade ou que os papéis sejam intercambiáveis. Se fosse assim, o Novo Testamento confirmaria. Porém, o ensino neotestamentário aponta na direção oposta. Em 1Co 11, por exemplo, Paulo compara os papéis atribuídos ao homem e à mulher àqueles exercidos pelos membros da Trindade, demonstrando que papéis distintos não significam superioridade ou inferioridade. Haja vista que, mesmo que Pai, Filho e Espírito Santo sejam iguais em essência, cada um exerce um papel diferente na história da salvação (Jo 12.49; Jo 16.7). De sorte que, Cristo é a cabeça de todo varão, mas Deus (o Pai) é a cabeça de Cristo (1Co 11.3). O mesmo ocorre na relação entre homem e mulher. A liderança do lar e da igreja é posta sobre os ombros do homem, pois “o homem é a cabeça da mulher” (1 Co 11.3). Ou seja, é justamente por serem a imagem de Deus que cada um tem um papel.
b) O governo masculino é resultado da queda
De acordo com as feministas evangélicas, antes da narrativa da queda, não há nenhuma indicação de que um cônjuge governava sobre o outro. Somente após o pecado Deus disse à mulher: “ele te dominará” (Gn 3.16). Consequentemente, quando Cristo liberta o ser humano do pecado (Jo 8.36), também liberta a mulher da opressão.
Entretanto, desde o princípio, a Bíblia apresenta a liderança masculina. A ordem da criação é uma evidência disso. Com base nela, Paulo argumenta que homens e mulheres devem exercer papéis distintos na igreja local (1Tm 2.13). Afinal, foi ao homem que Deus, antes de criar a mulher, deu os deveres e as responsabilidades (Gênesis 2.15-17). Além disso, ao homem coube a tarefa de nomear os animais (Gênesis 2.19). Ora, quem dá nome, só o faz porque tem autoridade. Um exemplo bem claro disso é a história de Daniel. Ele e seus amigos tiveram seus nomes modificados assim que chegaram à Babilônia (Daniel 1.6,7), justamente porque estavam debaixo da autoridade babilônica. À luz dessa informação, percebemos que o fato de Adão dar nome à Eva torna ainda mais evidente o papel do homem como líder (Gênesis 2.23).
c) A história de Débora mostra que Deus pode chamar mulheres para liderar.
Em primeiro lugar, é necessário frisar que, ao contrário do que se pensa, Débora apoiou a liderança masculina sobre o povo. Pelo menos, é o que suas atitudes dão a entender. Porquanto, embora tenha mandado chamar Baraque, ela não convocou o povo para guerrear. Com efeito, ela encorajou Baraque a fazê-lo (Jz 4.6-14). Tanto, que, quando ele solicitou a ela que o acompanhasse, Débora o repreendeu (Jz 4.8,9). Até porque, foi Deus quem ordenou que Baraque convocasse e comandasse o povo (Jz 4,6,7).
O fato de ela ser descrita como “profetisa” é um indício de que a intenção do autor era destacar sua verdadeira função; a qual, definitivamente, não era governar e nem resolver disputas. Acerca disso, o Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento salienta que as palavras hebraicas usadas em Juízes “indicam que nos caps. 4-5 Débora não está sendo retratada como uma juíza (como Baraque), mas sim como uma porta-voz de Deus”[2]. De maneira que, à luz do contexto, o juízo (heb. mishpat) que Israel buscava “não se refere a resolver suas disputas, mas sim a inquirir sobre a resposta de Deus”. Logo, Débora não pode ser usada para respaldar as alegações das feministas evangélicas.
CONCLUSÃO
Decerto, há outros argumentos empregados por quem tenta inserir a ideologia feminista no texto bíblico. No entanto, nenhum deles encontra fundamentação suficiente para desqualificar o ensino apostólico a respeito da liderança eclesiástica e familiar. Por isso, concluímos que o feminismo evangélico constitui uma heresia. Pois, segue uma hermenêutica que fragiliza e, de certa forma, torce as Escrituras Sagradas. Portanto, tal como alertou Pedro, não devemos seguir esse caminho, pois quem o segue o faz para a própria perdição (2Pe 3.16).
Pr. Cremilson Meirelles
[1] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. 2ed. São Paulo: Difusão Europeia do livro, 1967, p. 9.
[2] VANGEMEREN, Willem A. Novo dicionário internacional de teologia e exegese do Antigo Testamento. Vol. 4. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 215.
Muito bom texto. Parabéns Pr Cremilson