Muitos evangélicos buscam hoje igrejas conforme seu apetite espiritual: culto rápido, bom louvor, cura, prosperidade, restituição. Mas é assim que Jesus idealizou Sua Igreja, um self-service da fé?
O mundo mudou. A era pós-moderna tem imprimido uma nova marca à Igreja Evangélica: a do consumo. Os conhecidos self-services e fast-foods não são encontrados mais apenas nos shoppings ou grandes centros, mas nas igrejas também.
A igreja a gosto do freguês está nas grandes e pequenas avenidas. Muitas de suas fachadas trazem verdadeiros “menus” semanais oferecendo qual o “prato do dia”: cura, libertação, prosperidade financeira, restauração da família, etc.
Esse perfil de igreja está em pleno crescimento no Brasil. Antes congregados nas denominações clássicas, hoje os mais de 1,5 milhão de evangélicos capixabas podem escolher à vontade que tipo de igreja preferem. Uma tem culto rápido, outra louvor de excelência, há as que investem mais nas famílias e casais, tem a do amigo que traz muitos artistas ou oferece um estilo mais alternativo.
A secretária M.P.A, 39 anos, que não quis se identificar, frequenta uma igreja evangélica tradicional desde criança, mas no meio de semana participa do culto de cura e libertação em outra. Sofrendo com um problema de reumatismo há anos, busca a cura peregrinando de igreja em igreja, e o motivo ela justifica: “na minha igreja o pastor não ministra a cura. Quero ser curada!”
É o exercício da fé rompendo barreiras denominacionais. A questão intriga algumas lideranças evangélicas. “Hoje predomina a ideia de consumo nas relações humanas no geral. As pessoas consomem os benefícios que uma igreja pode oferecer. As mais recentes reúnem elementos de crenças diferentes sem uma doutrina a ser seguida”, destacou o doutor em Teologia e professor da Faculdade Unida Júlio Zabatiero.
Segundo ele, esse movimento começou nos anos 90, simultâneo às mudanças econômicas vivenciadas no Brasil. Em paralelo, aumentou a presença da Igreja Evangélica nas mídias de comunicação de massa, como a televisão.
“Isso culminou no crescimento acelerado de igrejas que apostam nesse modelo de consumo da fé. Tanto que hoje, muitas igrejas ditas tradicionais estão, aos poucos, se rendendo a esse formato”.
A Igreja Evangélica se diversificou bastante no Estado. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou mais de 40 denominações no Censo 2010. Vale considerar, ainda, nossa dimensão: a proporção de evangélicos no Espírito Santo é maior do que a registrada no restante do país. O Censo apontou que 33,1% dos capixabas são evangélicos, índice superior à média nacional, de 22,2%. Em dez anos, o número de evangélicos passou de 26,2 milhões para 42,3 milhões em todo o país.
A Igreja Evangélica capixaba está dividida entre as tradicionais e as de predominância pentecostal. Dos cerca de 1,5 milhão de evangélicos, 55,2% congregam em igrejas pentecostais. O enfermeiro L.P, 27 anos, se converteu em uma igreja pentecostal há cinco anos. Participou ativamente de congressos de jovens, organizou eventos, frequentou a escola bíblica, mas hoje é um simples participante. Segundo ele, que também insistiu para não ser identificado, não consegue seguir o que ele considera “rígidos padrões” da igreja.
O que tem para hoje?
Se uns buscam satisfazer suas necessidades espirituais, outros de tanto buscá-las em várias igrejas acabam desanimando na fé. Foi o que aconteceu com a representante de vendas S.V.A, 32 anos. “Participei de várias campanhas na igreja e nada aconteceu. O pastor disse que eu tinha que determinar a bênção de Deus em minha vida, mas o tempo de Deus não é o nosso. Hoje entendo isso melhor”.
Para o pastor Marcos de Azevedo, da Primeira Igreja Presbiteriana de Mata da Praia, Vitória, temos um fast-food religioso evangélico jamais visto em nosso país. “Normalmente são pessoas de uma superficialidade cristã enorme, sem conhecimento bíblico, sem discipulado, na verdade, sem firmeza bíblico-doutrinária. Infelizmente, quem mais aderiu à cultura de mercado foram algumas igrejas mais novas, que mais oferecem serviços religiosos, através de seus produtos para um público ávido por consumir fé e não praticar a fé em Cristo Jesus. Tais pessoas querem as bênçãos de Deus, mas não querem o Deus das bênçãos”.
Mas o que as pessoas têm buscado em uma igreja? De acordo com o psicólogo Elber do Prado Vieira, de imediato, elas procuram a solução para os seus problemas. “Não que isso não seja importante. Mas a conversão a Cristo pede um lugar de adoração e de comunhão entre os outros para que, juntos, cresçamos na fé e nos dons. A igreja não pode ser um lugar virtual. Vários acontecimentos importantes, como a descida do Espírito Santo, Deus mostrando Sua glória, o preenchimento do Espírito nos membros, aconteceram no templo, nas quatro paredes”.
O doutor em Teologia Júlio Zabatiero ressalta que o ser humano é muito carente e procura na igreja um local para receber afeto, se sentir amado. “É uma relação muito diferente do trabalho, por exemplo. Trabalhamos para ter dinheiro, não afeto. Em uma igreja, queremos ser acolhidos, amparados. A igreja propicia esse ambiente de coletividade e atenção com o outro. Ela oferece sentido para a vida humana. Mas, infelizmente, acabam achando que o Evangelho está aí apenas para servi-los”.
O pastor Marcos de Azevedo completa dizendo que as pessoas buscam preencher um vazio existencial em suas vidas. “Pode ser um vazio emocional, afetivo, uma crise amorosa, familiar etc. Há muita gente sofrendo e acaba caindo em ‘armadilhas religiosas’. O problema é que aprende a consumir os produtos da fé e de tanto consumir, acaba consumida”.
A Igreja de Cristo
A preocupação das lideranças religiosas deve ser com a fidelidade ao Evangelho. É o que afirma o pastor Júlio Zabatiero. “Se a igreja transmite a mensagem do Evangelho, ela cumpre seu papel.
Em Atos 2 não temos métodos mirabolantes para fidelizar membros ou encher a igreja. Ele trata da comunhão, do cuidado com o outro e assim ela crescia e pode crescer hoje. Igreja é expressão de amor. A prova de que amamos a Deus é identificada na forma como cuidamos do próximo”.
A Igreja existe para acolher as pessoas através do Evangelho de Jesus Cristo. Somente a Palavra de Deus é capaz de plenificar as pessoas, ou seja, encher seus corações sedentos. Depois de acolhidas, elas precisam ser discipuladas a fim de tornarem-se seguidoras de Jesus e não de igrejas ou líderes.
“É preciso voltar ao início da Igreja Primitiva”, pondera o psicólogo Elber do Prado. “Vivemos momentos de extrema diversidade. Todos os dias começam novos ‘ministérios’. É preciso fortalecer a fé e o conhecimento dos membros na Palavra. É preciso entender os desejos que perpassam o ser humano e acolhê-los”.
O que fazer?
As igrejas precisam refletir mais em cima de tendências religiosas como essa. A sociedade do consumo está instalada e crescendo. “É preciso perceber como a mensagem cristã pode responder às grandes questões, influenciando a sociedade. Mas, antes de tudo, é imperativo que os crentes compreendam o que Jesus fez por nós. Aqueles que procuram Jesus apenas para receber uma bênção esquecem o que Ele mesmo disse: ‘é melhor dar do que receber’. Com isso, Jesus nos chama a compreensão do que é o Evangelho, da profundidade do que foi Seu sacrifício na cruz. O Cristianismo é a cruz”, considerou o Pr. Joel Félix, da Igreja Batista da Glória, Vila Velha.
Na visão dele, os fiéis em Cristo devem entender que o princípio da fé é o que Deus fez por nós ao enviar Jesus. “A Bíblia deixa claro que a razão espiritual da morte de Cristo foi a nossa redenção, a nossa justificação perante Deus, uma vez que por nossa natureza corrompida não poderíamos por nós mesmos promover esta reconciliação. Pela graça somos salvos e devemos louvá-Lo diariamente por isso acima de tudo”.
O risco desse comportamento consumista é uma igreja egoísta, que deixa de lado sua responsabilidade coletiva. Isso sem contar na superficialidade de seu discurso, sem profundidade teológica e incentivo ao estudo da Palavra. O pastor Marcos de Azevedo insiste que as igrejas precisam investir em discipulado. “Precisamos de discípulos verdadeiros de Jesus Cristo. As igrejas devem assumir um compromisso genuíno com Jesus e proclamar as Boas Novas. Devem, ainda, trabalhar no ensino da Palavra de Deus, a fim de criar uma geração comprometida com a Palavra e não com o consumismo religioso. Em terceiro, devem buscar líderes comprometidos com Deus, cheios do Espírito Santo. O Reino de Deus não é poder humano, nem material, mas paz, alegria e poder no Espírito Santo, como afirma Paulo aos Coríntios”.
Matéria Extraída da Revista Comunhão