O número de candidatos a vereador e prefeito que utilizam uma identidade religiosa explícita em seus nomes de campanha aumentou cerca de 225% ao longo dos últimos 24 anos. O índice foi calculado por um levantamento inédito realizado pelo Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, que analisou dados do portal de estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referentes às últimas sete eleições municipais, de 2000 a 2024.
A pesquisa revelou que a grande maioria das candidaturas com identidade religiosa está associada à religião evangélica. Nas eleições deste ano, os termos mais comuns nos nomes dos candidatos são: pastor (2.856), irmão (1.777), pastora (862), irmã (835) e missionária (247). Esses termos totalizam 6.557 candidaturas, representando mais de 91% do total de candidaturas com alguma identidade religiosa identificada no levantamento do IPRI/FSB.
Esses números evidenciam como os evangélicos estão engajados na política e dão pistas do porquê tantos candidatos, de todos os matizes, estão se esforçando para visitar igrejas e conquistar os votos dos crentes. Entretanto, em período de campanha eleitoral, algumas questões precisam ser observadas para que se evitem problemas, quer para os líderes religiosos, quer para os próprios candidatos.
Recentemente, por exemplo, um áudio vazado, atribuído ao pastor João Luiz, da Igreja do Evangelho Quadrangular, candidato a vereador em Maceió (AL) pelo PP, tem gerado polêmica nas redes sociais. Na gravação, o líder religioso, que já foi deputado estadual e vereador por seis mandatos consecutivos, e chegou a presidir a Câmara Municipal de Maceió, aparece pressionando outros pastores a apoiarem sua candidatura. “Quem não apoiar, eu mando para outro lugar”, afirma o pastor na gravação, mencionando o estatuto da igreja, que, segundo ele, orienta os pastores a apoiarem os candidatos oficiais da denominação.
Em 2016, enquanto era deputado estadual, João Luiz teve o mandato cassado devido à sua atuação na igreja durante a campanha eleitoral. Na época, o Ministério Público Eleitoral de Alagoas (MPE-AL) alegou que a campanha de João Luiz, em 2014, foi indevidamente beneficiada por sua posição como presidente da Igreja Quadrangular, promovendo sua candidatura de forma irregular.
O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL) determinou a inelegibilidade de João Luiz por oito anos. Embora o recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha sido negado, a defesa do pastor apresentou um novo recurso ao Pleno do TSE, o que resultou na anulação da decisão anterior.
Para esclarecer esse e outros pontos importantes do tema, o advogado Dr. Anderson Fonseca, especialista em Direito Eleitoral. diz:
Como definir abuso de poder religioso?
O abuso de poder, de um modo geral, é o prevalecimento de qualquer candidato tendo em vista a sua situação econômica, financeira ou de hierarquia – e, nesse caso específico, uma ascensão religiosa. Geralmente, a pessoa é um líder religioso ou faz parte de alguma congregação, denominação, religião e, por conta, dessa posição de influência, acaba direcionando os fiéis, os membros, para a votação em determinado candidato.
Não é necessariamente o próprio candidato que exerce essa influência. Pode ser que terceiros estejam com ele ligados e exerçam essa influência, como é o caso, por exemplo, de congregações que são orientadas pelo líder religioso a votar em determinado candidato. Isso se configura em abuso de poder religioso. Da mesma forma, se o membro, o fiel, for constrangido a direcionar o voto em determinado candidato (frequentemente sob a alegação: “Se não votar em fulano, vai para o inferno” ), ou ainda se deixar de receber um benefício da igreja por não seguir a determinação do líder para votar em determinado candidato.
Pela lei, pastores e líderes podem pedir votos aos membros para determinado candidato? Por quê?
De uma maneira geral, ambientes de igreja, de congregação, também são locais políticos e fazem parte dessa discussão. Então, está envolvida nos debates políticos, apesar de ser questionável por alguns, não existe uma proibição para que no ambiente da igreja haja o pedido de voto, desde que seja franqueado de maneira democrática e com livre manifestação de pensamento de todos da congregação. Não pode haver constrangimentos para angariar votos, mas oferecer esclarecimentos e, assim, o membro decidir o seu voto.
É permitido fazer panfletagem na porta da igreja em período eleitoral?
A panfletagem já é uma situação diferente, porque entra na categoria de propaganda eleitoral. Existe uma série de regras determinadas pela Justiça Eleitoral no que diz respeito à utilização desse material, à distribuição, colocação de outdoors, cavaletes e ao posicionamento das pessoas com bandeiras. Em regra, não é de bom tom nem permitido que seja feito nos ambientes eclesiásticos, seja igreja, sinagoga, mesquita ou terreiro, justamente para que não haja a confusão do ambiente religioso com a política, o que pode, eventualmente, configurar o abuso de poder religioso.
A Justiça Eleitoral permite que os candidatos se apresentem nos púlpitos das igrejas?
Algumas denominações apresentam candidatos no púlpito da igreja, para que sejam conhecidos da congregação. Levando-se em consideração o ambiente democrático, que também faz parte das igrejas, apresentar o candidato de maneira isenta, deixando os membros à vontade para fazer perguntas, indagar e, assim, chegarem às próprias opiniões, muito embora possa ser questionável, não é contrário à lei. Isto porque leva ao conhecimento de maior número de pessoas candidatos que estão disputando o pleito. Reforço: o que não pode é constranger e direcionar o apoio a um determinado candidato.
E utilizar eventos religiosos para angariar votos para candidato? É permitido? Por quê?
É uma área cinzenta, porque eventos que visam à captação de votos, como os conhecidos comícios, não são mais possíveis de serem realizados com artistas, música e entretenimento na tentativa de atrair o eleitor para direcionar o voto. No caso dos eventos religiosos, em que há somente a apresentação do candidato que está sendo apoiado pela igreja, não há problema.
A oportunidade de alguma maneira dá proeminência para que ele tenha holofote e, eventualmente, consiga votos. O que não pode é fazer um evento exclusivamente em prol de determinado candidato com o objetivo específico de solicitar votos. Neste caso, fica assemelhado ao comício. Portanto, é proibido.
Como o crente deve proceder caso seja pressionado ou coagido a votar em determinado candidato?
Primeiro, é preciso registrar a situação, comprovando com gravações, fotos, testemunhas, de que houve um direcionamento de pensamento, uma ameaça, uma orientação, pressão ou intimidação. Depois, é possível procurar a Ouvidoria da Justiça Eleitoral, que recebe esse tipo de denúncia, como também o Ministério Público, que faz a fiscalização de todo o pleito. Além disso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também possui comissões de Direito Eleitoral. E os próprios partidos têm uma estrutura interna para averiguar denúncias porque, afinal, eles podem acabar sendo responsabilizados também caso a conduta apurada seja ilícita.
Matéria extraída da Revista Comunhão.