Introdução
Este artigo nasceu de uma conversa profunda com alguém muito querido. Certo dia, essa pessoa confidenciou que a coisa mais difícil na vida é ser feliz. Após 22 anos de pastorado, vá rios de magistério e outros tantos como diretor de Empresa, tenho observado que muitos compartilham essa visão, acreditando que a vida é, em grande parte, marcada pelo sofrimento. E você? Sente-se feliz? Ou acredita que a felicidade é uma busca interminável, onde o sofrimento é constante e a alegria parece um objetivo inalcançável?
É importante notar que muitos filósofos afirmam que a busca última da existência humana é a felicidade. Tudo o que fazemos, em última aná lise, visa nos proporcionar felicidade. Neste artigo, quero demonstrar que, embora desejemos ser felizes, nossa busca quase desesperada pela felici dade revela uma contradição: condicionamos nossa felicidade a diversas circunstâncias externas. Vou explorar como as ciências humanas abordam esse dilema e, finalmente, apresentar a profundidade da cosmovisão bíblica sobre a felicidade.
I. A Perplexidade da Felicidade
Pergunte a si mesmo: por que não sou feliz agora? Você perceberá que está impondo alguma condição para ser feliz. Em outras palavras, você de seja essa condição (autoimposta). Seja um objeto, uma situação ou uma pessoa mais do que deseja a própria feli cidade. Por que isso acontece? Porque você só quer ser feliz sob certas condições específicas, e se essas condições não forem atendidas, você se recusa a ser feliz.
Algumas pessoas acreditam que para serem felizes precisam garantir que nada ruim acontecerá no futuro. Elas não querem ser felizes agora; que rem, primeiro, assegurar um futuro se guro. Porém, como não podem ter essa certeza, vivem em um estado constante de medo, ansiedade e insegurança, substituindo a alegria verdadeira por essas emoções negativas.
Outras acreditam que precisam de um determinado trabalho, nível de re conhecimento ou sucesso para serem felizes. Sem essas conquistas, sentem-se incompletas. Elas não querem a felicidade a menos que todas essas condições sejam satisfeitas.
É comum encontrar pessoas que só aceitam ser felizes se tiverem alguém específico em suas vidas. Elas dizem: “Minha felicidade depende de fulano(a); se não tiver essa pessoa, não consigo ser feliz”. Ou então, condicionam a felicidade ao comportamento de outras pessoas: “Só posso ser feliz se meu filho for assim, se meus amigos agirem dessa forma, se meus pais fizerem isso”.
II. A Barganha da Felicidade
O grande problema é que muitas pessoas condicionam sua felicidade a uma vasta gama de coisas. Em suma: “Eu não posso ser feliz porque não tenho isso ou aquilo”. Mas a verdade é que, inconscientemente, elas não que rem ser felizes sem essas pré-condições. Fomos condicionados a pensar que não podemos ser felizes sem essas condições que impomos a nós mesmos. Fazemos uma barganha negativa com nossa própria felicidade. Uma das maiores razões para não querermos a felicidade por si só é que não conseguimos ver sentido em simplesmente ser feliz. Então, atrelamos a felicidade a mil coisas e imaginamos que não podemos ser felizes sem elas. E, quando final mente conseguimos essas mil coisas, passamos a temer perdê-las.
Todos reconhecem a importância de ser feliz, mas fom os ensinados (condicionados) a buscar felicidade em coisas externas, em vez de apre ciarmos a beleza ao nosso redor e as boas pessoas em nossas vidas. A primeira questão que quero que você compreenda é que, se realmente deseja ser feliz, precisa admitir para si mesmo que não prioriza a sua felicidade. Isso ocorre porque você atrela sua felicidade a outras coisas.
III. Ampliando a visão com base nas ciências
A psicologia positiva nos ensina que a verdadeira felicidade não depende de circunstâncias externas, mas de fatores internos como gratidão, resiliência (1) e propósito. Práticas diárias de gratidão podem aumentar significativamente nossos níveis de felicidade, ajudando-nos a focar no que já temos de bom em vez do que falta.
A neurociência mostra que nosso cérebro é programado para buscar recompensas, o que explica porque frequentemente condicionamos nossa felicidade a certas realizações ou posses. A prática da meditação mindfulness (2) pode reprogramar nosso cérebro para encontrar contentamento no momento presente, reduzindo a atividade da rede neural de modo padrão do cérebro, que está associada ao pensamento “ruminativo” e ao foco em si mesmo.
A filosofia, especialmente o estoicismo, ensina que a felicidade verdadeira vem de dentro. Devemos cultivar aceitação e desapego das circunstâncias externas. Epicteto, um dos principais filósofos estoicos, afirmou: “Não são as coisas que nos perturbam, mas a nossa visão sobre elas” (3).
IV. A Beleza e profundidade da Cosmovisão Bíblica
A Bíblia oferece uma perspectiva profunda e transformadora sobre a felicidade. Em Filipenses 4.11-13, Pau lo nos ensina sobre a importância de aprender a estar contente em qualquer situação: “Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece”. Esse versículo destaca que a verdadeira felicidade e contentamento vêm de uma fonte interna, que é nossa fé e confiança em Deus através de Jesus Cristo, e não das circunstâncias externas.
A Bíblia está repleta de versículos que abordam a felicidade, oferecendo uma visão completa e profunda sobre o tema. Por exemplo, Salmos 1.1-2, afirma: “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite”. Este versículo nos mostra que a verdadeira felicidade está enraizada na meditação e na obediência à lei de Deus.
Salmos 16.11 declara: “Tu me farás ver a vereda da vida; na tua presença há fartura de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente”. Aqui, somos lembrados de que a presença de Deus em nossa vida é uma fonte inesgotável de alegria.
Outros versículos, como Salmos 34.8 (“Provai, e vede que o Senhor é bom; bem-aventurado o homem que nele confia”.) e Provérbios 3.13 (“Bem-aventurado o homem que acha sabedoria, e o homem que adquire conheci mento”.), reforçam que a felicidade vem de confiar em Deus e buscar sabedoria.
No Novo Testamento, encontramos em João 15.11 as palavras de Jesus: “Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo”. E em Filipenses 4.4, Paulo exorta: “Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos”.
Esses versículos demonstram que a verdadeira felicidade está profundamente ligada à nossa relação com Deus e à nossa capacidade de confiar nEle e na Sua Palavra. Em um mundo que constantemente nos incentiva a buscar a felicidade em bens materiais e conquistas externas, a Bíblia nos chama a redescobrir a alegria e a paz que vêm de uma vida centrada na fé e na comunhão com o Santíssimo Deus. Através dessa perspectiva, somos capacitados a encontrar uma felicidade duradoura e verdadeira, que transcende as circunstâncias temporais e se enraiza na eternidade.
Conclusão
Conforme apontado neste ensaio, vivemos em tempos em que a busca pela felicidade é mais urgente do que nunca. Em meio aos desafios globais, incertezas e uma constante enxurrada de informações, reavaliar nossas noções de felicidade é crucial. A verdadeira felicidade não reside em condições externas, mas em práticas e perspectivas que podemos cultivar internamente.
Para alcançarmos a felicidade verdadeira, é essencial romper com a ideia de que nossa felicidade depende de circunstâncias externas. Devemos aprender a ser gratos pelo que já temos, praticar a atenção plena para viver o momento presente e adotar uma postura de aceitação e resiliência diante das adversidades.
A psicologia positiva nos ensina que práticas diárias de gratidão e meditação mindfulness podem transformar nossa percepção e experiência de felicidade, ajudando-nos a focar no bem que já existe em nossas vidas. A neurociência confirma que ao treinar nosso cérebro para apreciar o presente, diminuímos a ansiedade e o estresse, cultivando uma sensação mais duradoura de contentamento.
Da perspectiva bíblica, a felicidade verdadeira é encontrada na fé e no relacionamento com Deus. Paulo nos lembra em Filipenses 4.11-13 que o contentamento vem de dentro e não das circunstâncias externas. Nossa fé no Senhor nos proporciona uma fonte de alegria constante e inabalável, mesmo em tempos difíceis.
Unindo a sabedoria das ciências humanas e focando na profundidade da cosmovisão bíblica, podemos criar uma abordagem robusta e holística para a felicidade. Em um mundo frequentemente voltado para o material e o efêmero, a perspectiva bíblica nos oferece um caminho para uma felicidade genuína e duradoura. Ao reavaliar nossas prioridades e práticas, podemos encontrar não apenas a felicidade para nós mesmos, mas também inspirar e trazer esperança para os que estão ao nosso redor. A verdadeira felicidade, então, torna-se não apenas um objetivo pessoal, mas um farol de luz para um mundo em bus ca de alegria e significado.
1 A palavra resiliência significa que a pessoa supera seus problemas com mais tranquilidade, passando por eles com leveza e sabedoria. Para a Psicologia, uma pessoa resiliente tem maior resistência e equilíbrio frente às adversidades.
2 Mindfulness, palavra que pode ser traduzida como “atenção plena”, é a prática de se concentrar completamente no presente.
3 Epicteto no Encheiridion Cap 5.
Pr. Wilson Franklim
Extraído do O Jornal Batista