Crentes que decepcionam – Não convertidos em busca da razão de ser um evangélico

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Pastores e líderes estão preocupados com o mau testemunho, que tem afastado pessoas e crentes da presença de Deus e feito outros tantos desistirem de experimentar o Evangelho de Cristo. Qual a saída para este triste quadro?

“Eles conseguiram dilacerar meu coração, nunca mais entro em nenhuma igreja”. O desabafo feito por Cleide ilustra o de muitos outros que, ao observarem ou procurarem um amigo crente, se decepcionam e tomam verdadeira aversão e antipatia ao Evangelho e aos evangélicos. Pode parecer chocante, mas são em lugares como a academia, faculdade, empresas ou na vizinhança que as pessoas observam o comportamento da igreja e decidem se desejam ou não experimentar ser um evangélico.

São cada vez mais comuns afirmações e questionamentos envolvendo o mau testemunho como: “Se for para ser crente como fulano, prefiro continuar como estou”. “No meu trabalho tem um crente que não suporta pessoas de outras religiões”. “Quando entrei na igreja, fui recebida por uma irmã que foi logo dizendo que lá dentro tem muito pecado e que um dos líderes é adúltero”. “De que adianta andar com Bíblia e ir à igreja, se estas pessoas não mudam?”.

A resistência aos crentes parece inevitável. As razões são simples: muitos não cristãos, embora não tenham compromisso com a Palavra de Deus, têm seus valores éticos e esperam, no mínimo, coerência entre o discurso e a prática. Eles estão de olho na igreja.
Em II Coríntios 3:2 está registrado: “Vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens”. Essa passagem bíblica, embora não seja conhecida pelo eletricista Dorival de Souza, ilustra bem sua forma de enxergar a igreja. “Tem muita gente dizendo ser crente, mas que na prática, no dia a dia, não demonstra o que prega, pelo contrário, tem atitudes que provam o contrário”, desabafa.

O pastor e escritor Lécio Dornas dirige o Ministério Brasileiro da Sociedade Bíblica Americana. Ele afirma que as pessoas estão observando a igreja através do comportamento dos crentes e repudiam qualquer tipo de preconceito e mau testemunho. “Infelizmente, há crentes fariseus que enfermam a igreja e dificultam o acesso de muitos ao puro Evangelho.

Isso ocorre exatamente porque o Evangelho não é um conjunto de regras a serem decoradas e praticadas; é antes uma proposta de vida, marcada pela renúncia, pela graça e pelo amor.

Ora, se há na igreja pessoas inflexíveis, legalistas e sem amor, a vida e o ministério da igreja estão prejudicados. Só haverá esperança se houver cura do farisaísmo do primeiro século, reeditado hoje”, alerta.

O doutor em Ciências da Religião e diretor da Agência de Informações Religiosas (AGIR), Paulo Romeiro, é pastor da Igreja Cristã da Trindade, São Paulo, e diz estar certo que nunca as igrejas brasileiras produziram tantos escândalos como nas últimas décadas. “Existem igrejas que funcionam com caixa dois ou sem qualquer preocupação com a ética. São muitos os líderes evangélicos que mentem, que passam cheques sem fundo, que não pagam os aluguéis ou estão vivendo um caso extraconjugal. A lista de pecados é longa”, diz ele.

São muitos os maus testemunhos de crentes que mudam o comportamento fora da igreja. Com isso, a boa reputação do evangélico, se não foi a nocaute, passou a ser seriamente questionada. Na primeira carta de Paulo a Timóteo 4:12, a Bíblia nos exorta a dar um testemunho exemplar. “Ninguém o despreze pelo fato de você ser jovem, mas seja um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé e na pureza”. Entretanto, muitas vezes o crente, de um modo geral, anda na contramão dessa exortação bíblica trazendo constrangimento aos verdadeiros cristãos que buscam viver o Evangelho.

Funcionário público da Prefeitura Municipal de Cariacica, o pastor Cleber Souza afirma que, infelizmente, a religião se transformou em uma bandeira do inferno. “Aquilo que na sua etimologia tinha a intenção de religar o homem a Deus tem sido adulterado por pessoas que enxergaram na igreja uma grande oportunidade de negócio. A manipulação visando ao triunfalismo pessoal tem afastado muitas pessoas da igreja”.

De acordo com Mateus 13:24-30, durante o juízo final, os anjos vão separar os “filhos do maligno” (o “joio”) dos “filhos do reino” (o trigo). No primeiro período de crescimento, o joio é muito parecido com o trigo, e mesmo os mais experientes teriam dificuldade para distingui-los. Mas quando a espiga desabrocha do pé, até mesmo uma criança vê a diferença entre uma planta e outra. Então, a separação pode ser feita com facilidade na época da colheita.

Sem dúvida o poder dos joio-homens está na imagem. Eles praticam um “estelionato espiritual” de aparências. O joio parece ser trigo, mas não é. O joio quer ser, tem aparência de que é, sem ser. É um “santo na igreja”, mas em casa, cheio de arrogância, trata mal a esposa, não dá atenção aos filhos, é negligente com os pais, não ajuda seus irmãos.

Endossando o pensamento, o pastor Ronildo Miguel, da Igreja Presbiteriana de Jardim Camburi, Vitória, ressalta que a Bíblia afirma que não podemos ser apenas ouvintes, mas praticantes da Palavra de Deus (Tiago 1:22). “Eu mesmo conheço muitas pessoas com este sentimento de antipatia aos evangélicos. Creio que a nossa fé é evidenciada pelas nossas obras, que devemos zelar pelo nosso caráter, nosso testemunho e nossa reputação diante dos homens. Somos sal da terra e luz do mundo (Mateus 5:13)”, exorta Ronildo.

Trânsito religioso

Nos últimos anos surgiu um fenômeno conhecido como trânsito religioso. Ele é formado de pessoas que frequentaram uma igreja, professaram uma fé e mudaram de ideia. Esses novos crentes são chamados de “gente cansada de igreja”, “mochileiros da fé”, “sem-igreja”, “desigrejados” ou “decepcionados com a graça”. Todos estes nomes são títulos que ocupam capas de livros de grande procura.

Em agosto de 2011, a revista IstoÉ publicou uma reportagem de capa sobre as mudanças na religiosidade dos brasileiros. As informações tinham por base uma pesquisa feita em 2006 pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) em 27 municípios brasileiros e demonstraram que cerca de um quarto da população já mudou de religião; 23,5% das pessoas já circularam entre religiões em algum momento da vida; 27% costumam trocar de crença entre os 46 e 55 anos. As pessoas que completaram o ensino superior são as que mais mudam: 37,4%.

Segundo o pastor Paulo Romeiro, as próprias igrejas alimentam o trânsito religioso. Ele explica o que há por trás disso: “Quanto mais transitam, mais se decepcionam. Quanto mais se decepcionam, mais transitam. Assim, uma ação alimenta a outra. O pastor ou líder muitas vezes fala da televisão, vive no avião e quando está na igreja, seu espaço é o púlpito. Não há qualquer contato com o público. É um homem cheio de compromissos, tem de escrever, gravar, viajar, além de encontros com algumas pessoas importantes para o ministério”.

Outro fator agravante desse afastamento do Evangelho é a intolerância e o preconceito que contraria a Palavra de Deus registrada em Efésios 4:32. “Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo”. O pastor Lécio acredita que o preconceito, tão comum em algumas igrejas, é uma prova desta constatação.

“A trilha do Evangelho é uma proposta de ajustamento de vida no caminho. Assim, o cristão, à medida que conhece a Palavra de Deus, vai melhorando como pessoa. Se ao invés de melhorar, a pessoa piora, desajusta-se cada vez mais, sinaliza que não está assimilando o Evangelho. O reflexo disso é devastador para a tarefa evangelizadora, que tem por meta apresentar uma proposta de nova vida, de vida transformada e melhor. Assim, impactados pelo mau testemunho desses desajustados, muitos criam ou alimentam resistências densas ao chamado ser evangélico. Uma vez aproximando-se da igreja, uma pessoa pode decepcionar-se ou escandalizar-se com a conduta de membros dela; isso pode ser decisivo para o seu esfriamento e até afastamento”, diz Dornas.

Somados à intolerância e ao preconceito, vêm o rigor e as convicções pessoais exageradas que em nada contribuem para aproximar o evangélico do colega não crente.  Segundo o pastor Ronildo Miguel Soares, da Igreja Presbiteriana, esse tipo de crente  atrai pessoas parecidas com ele e até algumas outras diferentes, mas por pouco tempo. “Na maioria das vezes, essa atitude legalista afasta as pessoas do Evangelho. A porta da salvação é estreita por natureza. Os cristãos não devem alargá-la, mas também não devem torná-la ainda mais estreita”. Foi Jesus quem disse: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (João 13:35).

O pastor Lécio adverte que é preciso discipular. “A educação cristã é o caminho e precisa ser levada a sério.  Quando a igreja promove o estudo da Bíblia e a capacitação para o serviço do ministério, e faz isso de forma contextualizada e eficaz, está fortalecendo a saúde dos seus membros”, afirma. Segundo ele, é fundamental que a igreja disponha de um programa de discipulado e educação cristã, que propicie aos que chegam boa vacina na Palavra de Deus, para lidarem bem com os escândalos, com as perdas, decepções, provações e tentações. “Estou convencido de que, ao chegar-se para a igreja, uma pessoa precisa ser vacinada assim, em primeiro lugar, e firmemente doutrinada, em segundo lugar”, disse.

Se por um lado, pastores e líderes evangélicos advertem para o perigo do crente se tornar um instrumento de repulsa e não de atração à vida e ao estilo da igreja de Cristo, por outro lado, eles dão argumentos e conselhos que demonstram existir “uma luz no fim do túnel”, ou seja, há uma saída: o discipulado que ensina caminhar com Jesus Cristo e aprender com Ele.

A matéria acima é uma republicação antiga, mas que sirva para nossa reflexão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi publicada.

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