Ai de quem?

1913

Vivemos em tempos difíceis, não há como negar. Isto não é de hoje, nem tão pouco, algo recente. É certo de que devido a pandemia mundial as coisas dificultaram um pouco mais.

Pessoas se utilizando da morte de outras para fazer política. Fazem do povo uma massa de manobra. Desviam verbas, que deveriam ser para o auxílio do povo, para seu próprio bolso e outras coisas mais.

Esse tipo de coisa não é exclusivo da pandemia de 2020, muito menos da nossa geração. Vivemos há muito com a corrupção que impera em nossa nação, e não apenas na nossa, mas em muitas outras nações.

Tempos difíceis, onde as pessoas só pensam em si mesmas e não no outro. Cada um olha para seu próprio umbigo. Se eu e os meus estamos bem, com nada mais preciso me preocupar, até por que, se o país está como está, a culpa não é minha. É do político, do perverso, do pedófilo, daquele que só pensa em fazer o mal. Na verdade, é de qualquer um, menos minha.

Tudo isso nos faz pensar no chamado de Isaías. O povo naquele tempo era descendente de malfeitores, que praticavam o mal e rejeitaram ao Senhor (Is.1:4). Quase tornaram-se como Sodoma e Gomorra, se não fosse a misericórdia do Senhor. (1:9)

Não faltavam cultos, nem sacrifícios, conforme o capítulo 2. A religiosidade existia.  As pessoas iam ao culto, às festas, faziam suas orações e prestavam seus sacrifícios. Porém, o Senhor estava farto dos holocaustos. Quando o povo estendia as mãos, o Senhor fechava os olhos e não ouvia as súplicas dele.

Estava tudo perdido, indo de mal a pior, bem parecido com os dias atuais. Ao ligarmos a TV, os noticiários, as previsões, parece-nos não haver mais solução nem esperança. Como chegamos a esse ponto? De quem é a culpa, então? Quem nos levou a isso?

Logo no início do livro de Isaías, começamos a cavar essa resposta. Ele nos diz: “AI” desses que nos levaram a tal ponto. Que o Senhor entre com justiça aos que fizeram mal e levaram-nos a tempos tão difíceis.

Ai da nação pecadora (1:4). Sim, ai daqueles que se desviaram do Senhor e correram para longe do Senhor, acham-se deuses de si mesmos. Vivemos em um tempo que cada um quer dizer para si mesmo o que é certo ou errado. Tudo se torna relativo, tudo vai depender do ponto de vista de quem vê. As pessoas se afastaram de Deus e abraçaram o pecado. Será esse motivo de chegarmos onde chegamos? As pessoas querem viver suas próprias vontades e não a de Deus.

No Novo Testamento, o apóstolo Paulo diz a Timóteo: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, se rodearão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como se sentindo coceira nos ouvidos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas”. 2Tm.4:3-4 (NAA)

Então, Ai da nação pecadora. Exibe seu pecado e não o encobre, Ai deles! (Is.3:9)

Ai do ímpio (3:11). Ímpio é aquele que é desapiedado, desumano, cruel, bárbaro. Sim, ai daqueles que correm em fazer o mal, que fazem perversidades e mal às outras pessoas. Talvez estejamos como estamos por causa deles. Por causa do mal que fazem, por não amarem seu próximo e por todas as suas barbaridades. O versículo conclui: o pagamento deles será o que suas próprias mãos fizeram. Ai dos ímpios.

Ai dos egoístas (5:8). Ai daqueles que ajuntam casas e mais casas. Sim, ai daqueles que só pensam em si mesmos. Como diz o ditado popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Quem sabe sejam eles os culpados por esses tempos difíceis? Não olham com piedade para o próximo. Cheios de ganância, querem enriquecer a qualquer custo. Essa sociedade que não tem misericórdia, que, segundo a própria etimologia da palavra, não tem um coração compadecido, não põe seu coração na necessidade e dificuldade do outro. Ai dos egoístas.

Ai daqueles que não estão nem aí (5:11). Ai daqueles que só querem festa, que começam a se embriagar desde manhã e vão até a noite. Sim, ai deles que não estão “nem aí”; se o vento está soprando para sul ou para o norte, não se importam com nada. Ao chegar uma eleição, eles não querem saber quem vai tentar ajudar a cidade em sua totalidade. Importam-se apenas com seus interesses, recebendo o que quer para si, seus “50 reais”. Vendem o voto ou trocam por alguns sacos de cimento que precisam. Talvez a culpa seja deles, porque não se importam com nada e nem buscam conhecimento. Ai desses que apenas dizem: “Deixa a vida me levar”.

Ai dos que puxam para si iniquidade (5:18). Ai dos que puxam para seu caminho o pecado com cordas de injustiça e não têm medo algum e ainda desafiam a justiça de Deus. Como vemos em nosso tempo, pessoas que fazem piadas e escárnio com o nome e a justiça de Deus. Não Lhe têm medo ou sequer respeito. Possivelmente a culpa seja delas, por desafiarem a Deus. Ai dos insensatos.

Ai dos que invertem os valores (5:20). Ai daquele que chama de bem o mal e de mal, o bem. Na verdade, é que temos visto frequentemente em nosso tempo, uma inversão total de valores. É aceitável e normal o que é mal e completamente inaceitável o bem. Parece não fazer sentido, e não faz mesmo, mas é o que vivenciamos hoje, basta olhar para os discursos atuais. Quando alguém encontra algo que não é seu e o devolve, isso vira matéria de jornal, porque o normal é pegar para si. “Achado, não é roubado”, diz o ditado. Ai dos que fazem da luz, trevas. 

Ai dos sábios (5:21). Parece entranho, mas, sim, ai dos sábios. Na verdade, daqueles que se acham sábios aos seus próprios olhos. O que vemos em nossa sociedade são pessoas que se acham muito sábias e estão acima de qualquer um. Apenas o que eles conhecem e entendem, é que é a verdade. Todos os outros são apenas pobres coitados iludidos. Vivemos uma verdadeira guerra de ego. As pessoas, ao invés de usarem seu conhecimento para ajudar e instruir o povo, usam-no para dizer que estão acima de todos. O resto é ignorância. Ai desses “fake” sábios.

Ai dos que não trazem justiça social (5:22). Ai desses que são heróis em beber vinho e que por suborno justificam o ímpio. Como é atual essa palavra. Pessoas estão justificando aqueles que fazem mal e não trazem justiça ao justo. Vivemos um tempo em que a justiça deixou de ser justa, para virar uma moeda de troca na mão daqueles que detêm o poder. Provavelmente a culpa seja dos que estão no poder e não fazem justiça. Usam seu “poder” para benefício próprio ou de alguns que com eles estão. Temos vivido em uma sociedade completamente corrupta, que em momento algum pensa em trazer ou fazer justiça e sim, em buscar privilégios. Ai dos corruptos.

Por certo aí está a resposta à pergunta inicial. Se estamos vivendo tempos tão difíceis, de quem é a culpa? A culpa seria dos citados acima? São eles que nos levaram para onde chegamos?

Interessante observar, que logo após o registro de todos Ais, há um dos textos mais conhecidos de Isaías, o capítulo 6. Isaías tem um encontro com o Senhor e recebe o seu chamado. É um encontro lindo, cheio da glória de Deus e que lhe traz Transformação.

Isaías vê o Senhor e depois de ver toda pecaminosidade de sua nação, tem um encontro com a santidade do Senhor. Os serafins clamavam: “Santo, Santo, Santo”. Quando ele tem esse encontro pessoal com a santidade do Senhor, após tanta pecaminosidade do povo, tem a resposta correta para a pergunta. “AI DE MIM! ESTOU PERDIDO!” (Is. 6:5, NAA).

Depois de tantos ais, depois de olhar ver tanta perversidade e inúmeras coisas erradas ao seu redor, Isaías depara-se com a presença gloriosa e santa de Deus. Olha para dentro de si. Percebe que, na verdade antes de olhar e buscar um culpado, deve voltar os olhos para o seu interior e perceber que primeiro deve reconhecer: “Ai de mim”.

Interessante é que esse texto nos mostra, que em nossa caminhada, que deve ser diária e contínua em direção a um relacionamento íntimo com Deus, vamos conhecendo quem Ele é. Todavia, em determinado ponto, é crucial e necessário um autoconhecimento, quem somos realmente, para então reconhecermos e continuarmos em nossa caminhada direção a Ele.

Esse autoconhecimento é imprescindível à vida de todos os que buscamos a Deus.

Vemos isso acontecer também na vida da mulher samaritana em João 4. O texto mostra como Jesus se apresenta a ela, como Ele se dá a conhecer. Percebemos no texto, que até mesmo a forma de tratamento dela para com Jesus se modifica, à medida que ela O conhece mais.

Contudo, em determinado ponto desta caminhada de conhecimento, faz-se necessário que ela, a samaritana, se reconheça, para que consiga continuar a caminhar na direção d’Ele. Ela se reconhece pecadora e dependente da Sua graça.

Foi o que aconteceu com Isaías, depois de ver tanta maldade, pecado e injustiça. Ao ter um encontro verdadeiro com o Senhor, houve a necessidade de se reconhecer também pecador e ver não apenas o “AI” dos outros, mas primeiro “AI” de mim, porque me reconheço pecador, imerecedor e necessitado da graça de Deus.

É o que deve acontecer em nossa caminhada cristã, rumo aos pés da cruz. Precisamos olhar para dentro de nós mesmos e percebermos que somos pecadores, fracos e totalmente dependentes da graça de Deus. Não podemos nos colocar em um patamar acima das pessoas que ainda não conhecem a Deus, pois a mesma graça que elas dependem é a que nos sustém. Então, antes de olharmos para culpados e dizermos – Ai deles!, precisamos dizer: AI DE MIM!

Outro aspecto que precisamos aprender ao olhar para o encontro de Isaías com o Senhor e da mulher samaritana com Cristo, é que quando caminhamos rumo ao conhecimento de quem Ele é, e nos reconhecemos pecadores, esse encontro vai gerar uma transformação geral e verdadeira em nossas vidas.

Isaías e a mulher samaritana passaram, depois desses encontros, de pecadores reconhecidos à instrumento de transformação na vida dos que estavam ao seu redor. É exatamente o que devemos nos preocupar hoje em dia. Ao invés de buscarmos culpados para os tempos difíceis em que estamos vivendo, devemos caminhar em direção a Deus, nos reconhecer pecadores e deixar que Ele nos use como instrumento de transformação para a sociedade que caminha a passos largos para a perdição.

Paremos de perder tempo buscando culpados para o que estamos enfrentando e focar naquilo que Deus quer que façamos aqui, para os que estão ao nosso redor. Devemos nos concentrar em qual é a nossa missão e nosso papel como instrumentos e, principalmente, como filhos de Deus. Temos que parar de apontar erros e defeitos dos que estão ao nosso redor, olhar para dentro de nós e perceber que nós dependemos da graça de Deus. Ele quer nos usar para resplandecermos sua glória a outros.    

Por fim, ao pensar em tudo o que estamos vivendo, lembro-me de 2 Crônicas 7:14 –  “se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, orar, me buscar e se converter dos seus maus caminhos, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra” (NAA).

Fato é, que se nossa terra ainda não foi sarada, a culpa não é dos maus, dos corruptos, dos pedófilos, dentre outros. A culpa é minha, AI DE MIM!, porque eu faço parte do povo que se chama pelo nome de Deus. Na verdade, nós não estamos nos humilhando como devíamos. Nós não estamos orando como devíamos. Nós não estamos buscando como devíamos. Nós não estamos deixando nossos próprios maus caminhos, como devíamos.

Não queremos e nem devemos passar a mão na cabeça de ninguém e nem fechar nossos olhos para as perversidades e injustiças desse mundo. A palavra é dura e certa: AI dos maus, AI dos perversos, AI dos que comentem injustiça social, AI dos corruptos, AI dos que vendem seus votos e muitos outros AIs.

Busquemos ter um relacionamento íntimo com Deus. Procuremos, cada dia mais, caminhar na direção de conhecer o nosso Senhor; de perceber que somos pecadores, fracos, falhos e imerecedores da graça que nos alcançou e, antes de qualquer coisa, que possamos dizer: AI DE MIM!

Que nosso encontro com o Senhor nos faça reconhecer isso e nos transforme, para sermos instrumentos nas Suas mãos, para transformação de nossa realidade. Não devemos ser crentes apáticos, sentados em um banco e satisfeitos, apontando o dedo para todos ao redor, menos para nós mesmos.

“Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de lábios impuros; e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos”! – Isaías 6:5 (NAA)

Rômulo Queiroz do Amaral
Pastor da Igreja Batista de Valão dos Pires/RJ

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