Introdução
O casamento é um relacionamento pactual estabelecido por Deus e seus votos são feitos a Deus. O casamento cristão é, por mandado do Criador, espiritual. Sua finalidade não é apenas fazer os seres humanos felizes. Seu propósito é glorificar a Deus e fazer com que a geração seguinte conheça a glória de Deus. É preciso lembrar, entretanto, que o casamento une duas criaturas caídas, dois filhos pecadores de Adão.
I. Casamento é unidade
Na Bíblia, casamento é sinônimo de unidade, tornar-se um. Nessa síntese, nenhum dos dois torna-se mais fraco, ou menor do que o outro. Nenhum dos dois perde nada de valor, mas essa fusão não é fácil. O inimigo dessa união é o orgulho, a busca do interesse próprio. Autonomia nunca produz unidade.
Quando Josué declarou, “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Js 24.15), fez isso no contexto da renovação do pacto. Josué desafiou o povo a servir ao Deus da aliança; caso contrário, acabariam servindo a deuses estranhos, mas não caberia nenhuma mistura. E a decisão era assunto de família, assunto de comunidade.
Ao afirmar ao povo que eles não poderiam servir ao Senhor, porquanto é Deus santo e zeloso (Js 24.19), Josué estava pressionando o povo a compreender que não podemos satisfazer as exigências da santidade de Deus. Da mesma forma, o casamento é a união de duas criaturas caídas que não têm capacidade de servir ao Senhor. Não temos poder em nós mesmos para vencer o orgulho e alcançar a união que ilustra o amor de Jesus. O orgulho não é biodegradável. Só a cruz é morte certa para nosso orgulho. Nosso único direito à misericórdia do Pai é o sacrifício do Salvador. O orgulho divide, mas a cruz une. Para nosso lar ser um seguro abrigo da graça, onde o Rei Jesus é honrado e servido, é preciso haver união no casamento.
Divisão no casamento é evidência de mistura com deuses estranhos. Seja esse deus um vício, paixão mundana, ganância, egoísmo, ou expectativas exageradas, em última análise é a soberba da vida e corrói a união.
II. Casamento é pacto
O casamento é uma aliança, um pacto. O casamento cristão deve existir dentro da esfera do pacto, de acordo com a rubrica do pacto e sujeito às regras do pacto. “O casamento é uma aliança estabelecida por Deus e vivida diante dele, para expressar simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real. Deus nos colocou nesse vínculo quando nos criou à sua imagem. Ele manteve essa ligação entre ele mesmo e nós, enriqueceu-a e abençoou no princípio e vai abençoá-la por todos os tempos.”
O profeta Malaquias falou a um povo que duvidava do amor de Deus e que, por isso, tinha relaxado na obediência. Então o relacionamento se corrompeu. A missão de Malaquias era lembrar a esse povo o amor pactual de Deus e as obrigações pactuais do povo. Malaquias começa com uma advertência, em que o Senhor declara ao povo que o tem amado, mas o povo pergunta em quê (Ml 1.1,2). Deus responde fazendo Israel lembrar-se do pacto e aponta a raiz do problema: sacerdotes infiéis e falta de conhecimento da Palavra de Deus (Ml 2.7,8).
Essa corrupção se espalhou pelo povo. Ao quebrarem o pacto com Deus, seus relacionamentos humanos também sofreram (Ml 2.10-16). Os homens quebraram a fidelidade a Deus, casando-se com mulheres pagãs. Deus chamou-os ao arrependimento e reafirmou a promessa do pacto (Ml 3.17,18; 4.1-6). Josué tinha razão. Nós não somos capazes de servir ao Senhor, mas Deus volta os corações dos pais aos filhos e os corações dos filhos aos pais. O evangelho da graça realiza por nós e em nós o que nós não podemos fazer por nossa própria força. O resultado é solidariedade em família.
Malaquias avisou que a integridade da comunidade pactual fica ameaçada quando as alianças matrimoniais são quebradas. A comunidade da aliança tem um investimento no casamento e o casamento precisa da instrução e sustentação da comunidade. Quando o povo de Deus não segue os princípios e a regras pactuais, todos sofrem. Não é sem razão que Paulo ensinou Tito a exortar as mulheres mais velhas, piedosas, para que instruíssem as jovens recém-casadas a amarem seus maridos e filhos (Tt 2.3-5).
O casamento cristão deve existir dentro da esfera da comunidade pactual. O compromisso é com o Senhor (Ml 2.14,15). A rubrica é o princípio da graça: “Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor” (1Tm 1.14,15). A regra é a lei soberana do amor (Tg 2.8).
III. As condições do pacto
O exemplo de Rute e Boaz ilustra o ensino básico de um casamento pactual. Quando os israelitas conquistaram a terra prometida, cada família ganhou uma propriedade. A terra fazia parte da promessa e a esperança do povo era que seus filhos vivessem na terra até a chegada do Messias. A terra era sua garantia de compartilhar a glória do Messias.
O livro de Rute começa com uma notícia de fome em Israel (Rt 1.1,2). Elimeleque foi buscar alívio em Moabe, mas aparentemente morreu ao chegar ali. Sua esposa e seus dois filhos continuaram em Moabe, os filhos se casaram as moabitas Orfa e Rute (v.4). Malom e Quilion também morreram, “ficando, assim, a mulher desamparada de seus dois filhos e de seu marido” (v.5). Noemi decidiu então voltar a Israel.
Noemi faz lembrar as mulheres citadas em Tito 2, exortadas a ensinarem as jovens recém-casadas a amarem seus maridos e filhos. Quando Noemi incentivou as noras a ficarem em Moabe, Orfa voltou, mas Rute se apegou a Noemi e ao Deus de Noemi (Rt 1.16,17). Foi o Deus da fidelidade pactual que Rute abraçou. De algum modo, através do complexo relacionamento de sogra e das dificuldades da viuvez, Noemi refletiu a bondade de Deus para Rute. Ir com Noemi significava, para Rute, identificar-se com o povo do pacto.
Quando as duas viúvas chegaram a Belém, Rute foi pedir permissão para apanhar espigas dos ceifeiros. Deus soberanamente dirigiu Rute ao campo de um homem que honrou a exigência pactual de cuidar dos estrangeiros, órfãos e viúvas (Dt 24.19,22). O dono do campo perguntou pela identidade de Rute e se emocionou com a escolha dela, oferecendo-lhe suprimentos e provisão nos campos dele. No diálogo que tiveram nessa ocasião, refletiram a graça do pacto um ao outro: “O Senhor retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do Senhor, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refúgio” (para o diálogo todo, ver Rt 2.8-13).
Noemi ficou muito alegre quando soube das notícias. É preciso observar a natureza corporativa do pacto para entender a alegria de Noemi. No povo de Deus um tinha responsabilidade para com o outro. Eram guardadores de seus irmãos e havia dispositivos para reaver a propriedade perdida e para o cuidado das viúvas (Lv 25.14,15; Dt 25.5,6).
Noemi treinou Rute nas maneiras do pacto. Rute seguiu as instruções de Noemi (Rt 3.8-11) e o resultado foi que Boaz resgatou a terra a casou-se com Rute (Rt 4.9-11). Rute e Boaz foram os bisavós de Davi e estão na lista da genealogia de Jesus (Mt 1.5).
Essa história tem elementos pactuais importantes:
1) pessoas com os requisitos de uma comunidade pactual: os vínculos com lugar, outras pessoas e princípios;
2) uma mulher mais velha exercendo seu chamado para ser mãe espiritual de mulheres mais novas;
3) uma mulher mais jovem que aprendeu a se apegar ao Deus da fidelidade pactual;
4) um homem compassivo que protegeu uma estrangeira e proveu suas necessidades;
5) um casamento pactual que trouxe bênção à comunidade, porque foi em Belém que nosso Resgatador-Parente nasceu.
O elemento essencial dessa história é que Rute e Boaz abraçaram o pacto porque eles foram abraçados pelo Deus do pacto. Jesus estendeu o canto de sua capa de justiça sobre nós e agora podemos decidir como Josué (Js 24.15), porque o Senhor nos cobriu de vestes de salvação e nos envolveu com o manto de justiça (Is 61.10).
Se entendermos que, apesar de nossa condição miserável, fomos abraçados pela graça, abraçaremos nosso cônjuge em graça. A humildade substituirá a arrogância e passaremos a servir, em vez de esperarmos ser servidos. Os dois começarão a crescer em unidade. Nossos casamentos começarão a refletir a magnificência da graça, em lugar da mediocridade do egoísmo.
O começo desse caminho é o quebrantamento. Precisamos fazer a oração de confissão de Davi (Sl 51). Davi teve de arcar com as consequências do seu pecado. A criança morreu. Davi se arrependeu, prestou culto ao Senhor e depois consolou sua esposa. Uma evidência visível do arrependimento verdadeiro é a percepção das necessidades do outro e o entendimento de como tocar essas necessidades com o graça. O arrependimento nos desprende do orgulho e nos liberta para a unidade.
IV. O caminho para a unidade
Autoridade e submissão são os dois meios ordenados por Deus para se alcançar unidade no casamento. “… enchei-vos do Espírito … sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido… Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Ef 5.17-25). O único dragão a ser morto é o orgulho. A jornada nos leva à cruz.
A autoridade está implícita na declaração de Josué: “… escolhei, hoje, a quem sirvais … Eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Js 24.15). A autoridade bíblica é a humildade em ação. É colocar o bem da outra pessoa acima do seu próprio.
Submissão nada tem a ver com posição ou opressão. Homens e mulheres são iguais. A submissão tem a ver com função – a maneira como Deus diz que o casamento tem de funcionar. A fonte da submissão é a humildade perante Deus e um coração que aceita a ordem familiar por amor à glória de Deus.
Em última análise, essas atitudes dizem respeito à nossa fé em um Deus soberano, que nos ama além de qualquer coisa que possamos sondar.
Conclusão
A única coisa que pode unir duas criaturas pecaminosas é a paixão pela glória de Deus. A graça acende essa paixão, que é abastecida à medida que vivemos na esfera da comunidade da graça, pela rubrica da graça, e sob o governo do amor pactual (Fp 2.12-16).
O fato do casamento ser uma união instituída por Deus e ser a base e referência do pacto que Deus instituiu com o seu povo, não retira nem impede o esplendor e ardor que deve temperar o casamento; afinal, foi o Senhor mesmo quem ordenou que homem e mulher fossem dois numa só carne, e isto só se constrói no vínculo da paixão. E dentro de um ambiente de mútua fidelidade e amoroso respeito pelo outro, esse ardor também é benção de Deus.
Texto adaptado – Editora Cultura Cristã