Pais conectados e filhos carentes

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Segundo uma pesquisa de amostragem feita pelo Boston Medical Center, a interação entre pais e filhos vem sendo prejudicada pela dependência dos adultos das tecnologias da informação e comunicação (TICs), seja pelas redes sociais como Facebook, WhatsApp e no X, antigo Twitter, ou por e-mails, blogs ou jogos que viciam pessoas de qualquer idade e acabam por roubar o tempo com a família.

E com o crescimento de usuários da internet, aumenta a dependência das redes sociais. Há quem entre em pane ao lembrar que está sem o celular com acesso à internet. E essa necessidade de se estar sempre conectado à rede já tem nome, é a nomofobia.

O termo foi criado na Inglaterra, para os compulsivos por esse tipo de conexão e significa no medo de ficar sem o celular. Uma pesquisa da SecurEnvoy mostra que 76% dos jovens britânicos entre 18 e 24 anos têm esse problema.  No Brasil, o percentual de pessoas que declaram serem viciadas em smartphones é de 18%, segundo dados da Ipsos, sendo que 35% afirmaram que não ficam mais de 10 minutos sem consultar o aparelho.

Diante disso, como ficam as famílias, as relações de pais e filhos, o ouvir, a conversa, o ensino, a troca de informações, a instrução dos valores cristãos? A Bíblia chama a atenção desde o Velho Testamento até o Novo sobre a responsabilidade dos pais. Em Salmo 127:3-5 temos: “Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão de um homem valente, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava”.

O texto mostra que o tempo investido na educação cristã e moral dos filhos determinará o sucesso deles. Quando os pais se ausentam, os filhos buscam a atenção de quem a der. Em Provérbios 23:24-25, o sábio Salomão fala do regozijo da educação: “Grandemente se regozijará o pai do justo; e quem gerar um filho sábio, nele se alegrará. Alegrem-se teu pai e tua mãe, e regozije-se aquela que te deu à luz”.

E Provérbios 29:17 fala sobre a correção: “Corrige a teu filho, e ele te dará descanso; sim, deleitará o teu coração”. Tanto para gerar sabedoria, como para educar, é necessário que haja tempo, e é o tempo junto que transformará a criança ou o adolescente em uma pessoa que regozije o coração dos pais.

O exemplo dos pais é tão sério, que Jesus, ao tomar uma criança nos braços, fez uma advertência grave aos adultos sobre o cuidado e a responsabilidade, como vemos em Mateus 18:5-6. “E qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe. Mas qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar!” Ensinar a Palavra de Deus é uma obrigação dos pais, como lemos em Deuteronômio 6:4-7, exortando a transmitir as orientações de Deus aos filhos.

O apóstolo Paulo em 1 Timóteo. 5:8 adverte: “Mas, se alguém não cuida dos seus, e especialmente dos da sua família, tem negado a fé, e é pior que um incrédulo”. E isso não apenas na questão física, mas com palavras e exemplos. Outra advertência é feita em Efésios 6:4: “E vós, pais, não provoqueis ira dos vossos filhos, mas criai-os na disciplina e admoestação (instrução) do Senhor”. Muitos pais estão com papéis invertidos, onde os filhos é quem estão corrigindo-os pelo uso inadequado do celular, da internet, da televisão, ou por outro vício.

Piloto automático

Na opinião da doutora na área de Inteligência Artificial Aplicada e mestre em Informática Tania Gava, membro da Primeira Igreja Batista da Praia da Costa, Vila Velha, o avanço da tecnologia atinge todas as áreas, e não tem como a escola e a sociedade desconsiderar o fato de que as crianças de hoje já nascem com a tecnologia disponível. Para a especialista, o uso dessas ferramentas exige um equilíbrio, pois o excesso pode ser prejudicial.

“Podemos tirar proveito das pesquisas nos mecanismos de busca, na interação com pessoas de outras áreas, nações e culturas, na aprendizagem de línguas estrangeiras, mas seu excesso pode trazer prejuízo não somente nos aspectos físicos (problemas de vista, sedentarismo etc.), como também nos aspectos emocionais, tornando-nos isolados, solitários e sem o hábito de uma comunicação”. Ela vê o excesso como preocupação.

“Estamos ligando o piloto automático e deixando as coisas acontecerem e, quando paramos para ver, estamos com um problema dentro de casa, e os filhos estão perdendo o interesse em coisas importantes, como tempo com Deus, com a família, com lazer saudável, esportes, leitura etc.,” afirmou.

Tania ressalta o cuidado com a educação no lar: “Não podemos deixar que comodismo, cansaço e preocupações do dia a dia nos impeçam de passar tempo educando nossos filhos da maneira correta, pois educar dá trabalho, exige tempo e energia, mas tenho certeza que os frutos colhidos por uma educação equilibrada e pautada na Palavra de Deus não tem preço”.

O desafio é diário. “Tenho duas filhas com idades diferentes, uma criança e uma adolescente. Uma boa estratégia com minha filha mais nova é distraí-la com brincadeiras, passeios de bicicleta, na praia ou em parquinhos. E tenho certeza que pela companhia dos pais, uma criança largaria qualquer tecnologia.

Já com minha filha adolescente, procuro conversar muito, mostrando as coisas boas e ruins que a tecnologia pode nos trazer. No entanto, a ajuda mais preciosa só pode vir de Deus, pois só Ele pode nos dar sabedoria para edificar nossa família em tempos tão desafiadores”, afirmou Tânia, também professora do Ifes.

Lacunas relacionais

O pastor e psicólogo Sérgio Pimentel de Freitas, da  Primeira Igreja Batista de New Jersey, EUA, cita a Palavra de Deus: “Posso fazer de tudo, porém, nem tudo faz bem”. E diz: “Julgo que tantas inovações, rápidas como a luz, fazem muito bem a todos que ponderam e que entendem seus limites. Por outro lado, essas mesmas tecnologias estão facilitando grandes lacunas relacionais. Assim, há pessoas extremamente populares em redes sociais, porém, completamente vazias de relacionamentos”.

Ele alerta que é preciso ter cuidado com a vida voltada para isso. Quanto ao excesso de tecnologia no lar, o pastor Sérgio pontua ser necessário maior investimento nas relações familiares, seja físico, emocional/relacional e financeiro. “Os filhos precisam dos pais: da atenção, das advertências, do beijo, do abraço e do toque carinhoso. Quando os pais abrem mão disso, correm o grande risco de que o filho busque essa afirmação em outro lugar”. O pastor Sérgio destaca, ainda, a necessidade de a igreja ser mais proativa nas discussões de família.

“A igreja deve chamar os pais para perto e provocá-los a investirem tempo nos filhos e nos lares, incomodado-os com a atual realidade da sua casa, que tantas vezes não conseguem ver”. Os pais precisam estar conectados, precisam saber quais são os aplicativos que os filhos têm no celular, precisam entender as redes sociais. “A Bíblia nos diz que os pais precisam ensinar os filhos nos caminhos de Deus, ou seja, é de responsabilidade deles essa educação”, falou o pastor.

Diálogo e moderação A educadora cristã da Igreja Batista de Normília, em Vila Velha, Débora Cardoso, vê como positivas as tecnologias, ferramentas para se fazer novas amizades e evangelizar pela rede. No entanto, identifica-as como prejudiciais quando a internet serve de palco para confusão, fofoca e intrigas.

“O mundo real não é igual ao virtual. Os limites são desafiados, as regras são transgredidas, os jogos na internet têm influenciado a roubar e a matar, como a ‘Colheita Feliz’, entre outros”. Ela acredita que a falta de diálogo tem levado pais a perderem seus filhos para drogas, álcool e outros vícios. “Criança precisa de carinho, precisa do ‘colo’. Hoje temos visto muitas crianças precisando de psicólogos porque seus pais não têm tempo para dialogar, brincar e ensinar a Palavra de Deus.

Os pais chegam em casa, dão um beijo nos filhos e logo vão para o computador e só saem de lá para dormir. Não brincam, não perguntam como foi o dia. O que podemos esperar dessa família, desses filhos? Temos que usar tudo com moderação. Ouvi há dias uma criança dizer: ‘Meu pai não tem tempo para brincar comigo, mas tem tempo para ficar no Facebook’”. Para Débora, a compulsão deve ser tratada.

“Quando o computador passa a ser o ponto mais importante da vida, é hora de buscar ajuda. Muitas vezes, o usuário compulsivo não se dá conta da relação perigosa com a máquina. Outra orientação é estimular o convívio com a família, esse é o nosso papel como pais. Realizar outras atividades com seus filhos vai reforçar ainda mais a intimidade da família deixando de lado esse vício”. Em seu lar, hoje com os filhos já adultos, o que funcionou, segundo a educadora cristã, foi a orientação. “Acho que não precisa de regras. Se educarmos os nossos filhos a usarem tudo com moderação e principalmente sermos exemplos, dá certo”.

Confiança e participação

Administradora de empresas e membro da Igreja Missão, em Vila Velha, Kenya Machado assume que as redes sociais já são um hábito no seu dia a dia e aponta como ponto positivo o reencontro com amigos antigos e os contatos com quem está distante. “Com a vida corrida, às vezes não disponibilizamos de tempo para estar com os amigos, e as redes sociais facilitam isso. Como tenho familiares distantes, pela rede estamos sempre conectados”.

Ela, que tem duas filhas adolescentes, acredita que como mãe é preciso certo malabarismo. “A jornada do trabalho me toma a maior parte do tempo, porém tento criar uma rotina de forma a estar presente na vida das minhas filhas o máximo de tempo possível e vejo que a tecnologia me ajuda. Pela rede nos comunicamos e vou monitorando”.

Kenya ressalta que os pais devem participar de forma muito mais ativa, presente e principalmente de honesta na vida dos filhos. “Com a tecnologia, a educação mudou, pois não existe a menor possibilidade de se tentar omitir determinados assuntos. De certa forma, tem que ter mais transparência e necessidade de diálogo entre pais e filhos”.

Em casa, Kenya, conta que a regra em relação ao uso da tecnologia é a confiança. “Não tenho como vigiar o tempo todo, como proibir determinados acessos. Então oriento, converso de forma clara, alerto dos perigos nas redes e observo quais os principais interesses na internet”.

Incentivo às atividades sem tecnologia

Advogada e membro da Igreja Metodista de Vila Garrido, em Vila Velha, Karla Rossana Labuto também vê a tecnologia como positiva no sentido de aproximar as pessoas. “A rede me ajuda na comunicação, seja com a minha filha adolescente, com meus amigos, e até na vida profissional com meus clientes, e posso rapidamente saber das mudanças constantes das normas jurídicas em nosso país”.

Mas ela destaca o lado ruim, como a falta de contato físico e o excesso de exposição da vida em muitos casos. Em família, Karla defende a necessidade de impor limites quanto ao tempo de uso, para os filhos e para ela. “Em casa sempre reservo um tempo só para eles. E procuro incentivar as atividades que não utilizam tecnologia. Minha filha participa de dois times de handebol. E estimulo brincadeiras com os amigos que não precise de nenhuma tecnologia”.

10 DICAS PARA USAR SEM ABUSAR DA INTERNET

1 – Ao acordar, não vá direto olhar as redes sociais ou o e-mail. Inicie o dia com uma oração, um café da manhã tranquilo.
2 – Dentro de casa não se isole para usar os aparelhos. Eles devem ser utilizados em lugares comuns, como salas e copas. Evite os quartos.
3 – Tenha uma atividade física rotineira e prazerosa.
4 – Não passe mais de uma hora em redes sociais. Planeje para vê-las de manhã, de tarde ou de noite.
5 – Faça programas com a família, como passear, ver um filme, jogar, ouvir música.
6 – Não faça suas refeições olhando as redes sociais.
7 – Defina objetivos semanais, mensais, como estudar um idioma, ler um livro, aprender uma música. Mude o foco da internet para outra situação.
8 – Deixe o celular, smartphone ou tablet dentro da bolsa ou na gaveta enquanto trabalha.
9 – Evite o uso de celulares, tablets, smartphone ou computadores à noite ou de madrugada.
10 – Não se deixe escravizar. Deus nos criou para sermos livres, como afirma Gálatas 51.

Matéria extraída da Revista Comunhão

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