Culto, entretenimento ou aeróbica gospel?

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“O culto hoje foi uma bênção”. Ao final de um culto é possível ouvir frases como essa indicando se a pessoa se sentiu bem, foi confortada, e se o culto valeu a pena. Seria isso um indicador de que poderemos estar distantes do que seja um culto segundo a visão do Novo Testamento?

Creio que precisaremos retornar ao diálogo de Jesus com a mulher samaritana descrito no Evangelho de João (4.19ss) para descobrirmos preciosas verdades que nos ajudarão a compreender melhor esse cenário e a obter diversos referenciais para essa reflexão em busca da prática do que seja o aceitável culto a Deus.

A pergunta que ela fez a Jesus demonstrou que estava preocupada com o legítimo local da adoração, se lá em Samaria (monte Gerizim) ou em Jerusalém (monte Moriá). Quem estava certo, os samaritanos ou os judeus?

A resposta de Jesus desloca o foco da pergunta. Se no passado Deus procurava um local físico para ser sua habitação – o tabernáculo, depois o templo -, que seria um espaço único, repleto de cerimoniais e rituais, chegou a hora do clímax da revelação divina, em que Ele estaria mais ocupado com a qualidade da adoração do que com rituais ou cerimoniais litúrgicos, que serviram naquele período de transição no processo da revelação progressiva.

O novo foco que Jesus traz produz uma ressignificação divina sobre a adoração que não teria mais de se localizar em algum espaço físico, mas dentro do coração da pessoa, do adorador. O texto nos ensina que viria a hora e já estava ocorrendo naquele momento, que Deus estaria procurando verdadeiros adoradores que o adorassem em espírito e em verdade (v. 23).

Assim, os cerimoniais, rituais, frequência em algum espaço físico, busca por cumprir tudo isso como se fosse um meio de obter o favor divino, desaparecem do cenário. Em vez de espaço, entra o coração puro, sem mancha, a sinceridade e a busca pelo reconhecimento da soberania e grandeza de Deus como um ato de adoração que vai se manifestar pelo testemunho do que Deus tem feito, pela sua atuação na vida e na história, pelos cânticos e louvores em gratidão à imensidão daquele a quem se deve todo sentido da vida.

Torna-se necessário que compreendamos que o marco de Jesus sobre a adoração e o culto nos tira do ritual exterior e aponta para o coração do adorador. Afasta-se do cumprimento de obrigações religiosas e segue-se em direção ao desejo de adorar, como resultado de uma vida de abnegação e lealdade a Deus.

O redirecionamento que Jesus faz ao ato de adorar toca profundamente no ritualismo mecânico e interesseiro vivido naquela época, como já demonstrava o profeta Isaías: “Este povo se aproxima de mim, com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração e o seu temor para comigo consiste em mandamentos humanos aprendidos de cor” (Is 29.13).

E não é isso mesmo que é possível ver até em nossos dias, em que podemos estar transformando o culto em uma espécie de “missa evangélica” e em um meio de graça centralizado apenas em nossas sensações, nosso bem-estar, nossos interesses e busca do favor divino?

A adoração é o cerne da fé cristã, a ponto de Paulo nos ensinar que a dedicação de nossa vida no altar de Deus, como um sacrifício vivo, é um culto racional, um culto da escolha (Rm 12.1). E isso é um ato diário de lealdade a Deus em cada decisão que teremos de tomar. O que podemos deduzir é que a adoração pública e coletiva se torna fruto da adoração diária individual que ocorre por meio de cada decisão em que nosso ser, nossa vontade é colocada no altar ao escolhermos seguir a vontade de Deus para nossas escolhas cotidianas.

Adorar significa prestar culto, reconhecer que Deus está acima de tudo, prestar-lhe gratidão por Seus feitos que nem merecemos receber. Em vez de pensarmos no culto como uma frequência em que, se vamos, somos abençoados, se não vamos, somos faltosos e seremos castigados, será necessário concebermos a adoração como fruto de uma vida diariamente consagrada e leal a Deus, não algo mecânico, ritualístico e meramente litúrgico.

Se não for assim, acabamos transformando o culto em uma espécie de entretenimento centralizado em nossos interesses, na busca apenas de sentimentos agradáveis iguais a que temos ao irmos em algum show de um artista preferido. É claro que as emoções estarão presentes no ato do culto, pois, afinal, o ser todo e todo o ser que respira deve louvar a Deus (Salmos 150), mas transformar o culto em uma catarse é extrapolar o seu real significado. Se a pessoa precisa de atenção especial na busca de soluções para sua vida, deve continuar cultuando, mas diligentemente buscar aconselhamento, ajuda e apoio.

Quando precisamos de “acessórios” e “malabarismos de palco” que nos preparem para a adoração, talvez seja porque transformamos a adoração em divertimento. Se adorar é dar a Deus nosso louvor, nosso reconhecimento de sua grandeza, por que vamos ao templo buscando no culto algo para nós?

Quando vamos comprar um presente para uma pessoa, pensamos nela e não em nós. Se o culto pode ser comparado a um presente que damos ao nosso Deus, temos de pensar nEle e em como agradá-Lo. Se nossa confissão, nossa sinceridade, nosso sentimento de reconhecimento de Sua soberania, se nosso louvor, se nossos atos no decorrer do culto, O agradam, isso é a métrica para dizermos se o culto foi ou não bom.

Se no passado os cultos eram tidos como formais podendo ser maçantes, cansativos e “controladores” da presença de Deus em uma “ordem” ou programa, será que os cultos contemporâneos estariam sendo atrativos como se fossem shows e repletos de “aeróbica gospel” e cansativos (que convenhamos também consomem um bocado de calorias, por ser algo extremamente agitado)? Estaria havendo algum lugar para o espírito contrito e introspectivo necessários à adoração a Deus? Depois de tanta agitação quem consegue parar para refletir sobre a vida, confessar seus pecados?

Precisamos tomar cuidado para que, com o argumento de contextualizar ou de fugir do racionalismo e formalismo, não caiamos em outro extremo. Vamos lembrar que em um círculo os extremos se tocam. Será preciso buscar o equilíbrio entre a celebração, a alegria em celebrar, a expressão corporal e emocional e a formalidade. Culto é adoração, é um presente, não às nossas emoções, sensações, instintos ou paixões, muito menos à nossa razão, mas a Deus, que Ele mesmo, no fundo vai depois tocar em tudo isso, com alegria e senso na razão de viver.

Em resumo, uma coisa é dizer “vamos ao culto”; outra, é dizer: “vou adorar”. Culto não é um lugar, mas um estado de espírito. Se Deus busca adoradores que o adorem em espírito e em verdade, o culto depende muito mais de nossa disposição íntima em reconhecer a soberania de Deus do que nosso desejo em atender meramente as demandas de nossa autossatisfação emocional.

E ainda faltou um assunto sobre a consideração, à luz do Novo Testamento e do clímax da revelação progressiva, que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas (Atos 7.48; 17.24-31) e que nosso corpo é colocado como o santuário de Deus (I Coríntios 6.19), por isso deve ser colocado no altar do Criador (Romanos 12.1). Mas fica para um próximo artigo.

Vamos aprender a adorar a Deus em cada momento, em cada escolha de nossa vida, colocando nossas vidas em Seu altar, estando assim preparados para a participação da adoração pública e coletiva.

Você já imaginou se conseguirmos de imediato colocar em prática esse ensino do Novo Testamento sobre culto e adoração quanta vitória teremos sobre o formalismo e ritualismo litúrgico e quanto crescimento na expressão de vida teremos em nossas Igrejas? Aceita o desafio?

Pr. Lourenço Stelio Rega – Extraído da CBB.

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