Político pode usar o púlpito de minha Igreja? Parte II

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Foto: Ilustrativa.

Retomando o artigo anterior, em que terminei indagando sobre a metáfora do sal e da luz que Jesus nos atribuiu (Mateus 5.13ss), será necessário relembrar que ao lado disso tem a oração sacerdotal (João 17) sinalizando o nosso envio para o mundo em que nosso Mestre afirma: “Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal (no original em grego poderia ser Satanás) … Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo (Jo 17.15,17,18).

Ser sal e luz é muito mais do que pegar um plano conceituai da salvação e ficar lendo para quem quer aceitar a ideia de ser pecador, que precisa se arrepender e aceitar a morte de Jesus.

Muito mais. Ser sal e luz significa influenciar o ambiente em que se está, esse é o papel do sal e da luz. Outras figuras aparecem no Novo Testamento, tal como sermos embaixadores de Cristo (II Coríntios 5.20). Em outras palavras, além de ter sido salvo, é demonstrar a vida de um salvo, por meio de transformação do caráter, da mentalidade (mindset), dos valores da vida e tudo à luz dos ensinos da Palavra de Deus.

Conhecer a Deus é muito mais do que ouvir falar de Deus, ouvir que há uma salvação vinda de Deus e isso tudo é necessário, mas para que o mundo creia é necessário que ele veja Deus por intermédio de como vivemos, de como somos, como decidimos, tratamos os outros, como vivemos em situações de crise e fronteira ética. Aliás, Jesus nos ensinou: “quem me vê a mim, vê o Pai” (João 12.45 e 14.9), e Ele ainda nos mostrou que nos deixou o exemplo para que sigamos (João 13.15). Assim, todos nós cristãos e cada um de nós somos o ELO entre Deus e as pessoas que conhecerão de Deus ao nos ver, considerar nossas escolhas, nosso falar, nosso relacionamento, nosso modo de ser e de agir.

E, então, surge mais uma indagação, como as pessoas e o mundo nos veem como cristãos? Temos sido o elo entre Deus e as pessoas? Temos, em geral, sido o bom perfume de Cristo para o mundo (I Coríntios 2.15). Ou nosso vi­ ver cristão tem sido muito ativo nas atividades dominicais, estruturais e programáticas de nossa Igreja?

E o que dizer de certos equívocos que se tornaram cultura e mesmo ideologia em nosso meio, como o de afirmar que o imperativo e núcleo central da Grande Comissão (Mateus 28.19,20) é o IR, e como geralmente não podemos ir como missionários e evangelistas, então é só dar a oferta missionária e tudo está resolvido.

Uma análise gramatical no grego sobre esse texto mostrando três verbos no particípio (inclusive o IR, que, portanto, não é imperativo) e o verbo principal, “fazer discípulos”, este, sim, está no imperativo e é o núcleo do texto e o verbo que gerencia toda a dinâmica dos outros verbos secundários no particípio (verbos: ir, batizar e ensinar). Mas, em geral, aprendemos que “ir” se refere à obra missionária feita por missionários, mas “fazer discípulos” requer vida transformada e transformadora para poder ser modelo a ser transferido para quem aceita o Evangelho (I Coríntios 11.1 e II Timóteo 2.1,2). Isso requer muito mais do que aceitar a salvação, requer abnegação, reconstrução de vida pela renovação da mente (Romanos 12.1ss), dependência da graça de Deus (Romanos 8; II Coríntios 12.1 ss). E o que é possível ver no cenário evangélico no cotidiano eclesiástico, Igrejas maduras ou orfanatos espirituais (I Coríntios 3.1-3; Hebreus 5.11-14)? Que tipo de representantes ou embaixadores do reino temos sido?

Temos conquistado para o Evangelho pessoas e investido em seu discipulado que se tornarão governantes, políticos, juízes, empresários, profissionais liberais, executivos, pedreiros, eletricistas, de modo que, sendo discipulados, atuarão em seu ambiente como cristãos seguindo os valores cristãos?

Ou temos conquistado estas pessoas tornando-as bons membros da Igreja, fiéis, contribuintes, pontuais?

Nosso modo de atuar tem sido como o dos cristãos da Igreja do primeiro século? Temos “revolucionado” o mundo com nosso modo de viver e de ser (Atos 17.6)? Qual é a história que temos contado ao mundo? Apenas de um Cristo morto que nos garante o bilhete para o céu? Ou um Cristo vivo que transforma nossa vida a ponto de que as pessoas, ao ver-nos, enxergam Deus por nosso meio?

Então, a pergunta se político pode usar o púlpito é irrelevante, a pergunta é outra, como John Stott nos lembra: “Não devemos perguntar: ‘O que há de errado com o mundo?’ Esse diagnóstico já foi dado. Em vez disso, devemos perguntar: ‘O que aconteceu com o sal e a luz”‘?

No fundo, estamos indo ao mundo para evangelizar as pessoas da cidade, trazemos os convertidos para dentro da Igreja, mas estamos devolvendo esses convertidos, transformados, de volta para a cidade para que vivam intensa­ mente o Evangelho e seus valores?

A Igreja primitiva ouviu mas não entendeu o chamado de Jesus em Atos 1.8 – era para ser bênção de Deus para as nações, começando em Jerusalém.

O que ela tentou fazer foi demonstrar aos judeus que tinha a mensagem que eles não tinham a do Messias. Até que Estêvão é morto e a Igreja se espalha, mesmo assim, resistia avançar para Sa- maria e muito menos até os confins da terra. Podemos até arriscar que Deus precisou “forçar” a situação para que a Igreja entendesse, pois estava respondendo perguntas e temas desatualiza­ dos, como o de que precisavam “tomar posse” do templo e da religião judaica.

O desafio e o chamado era para que fossem testemunhas e não revolucionassem a instituição, o judaísmo.

A grande narrativa missional (muito mais profunda que a missionária apenas) de Deus revelada nas Escrituras é restaurar todas as coisas e colocá-las tudo debaixo de Seus pés (Efésios 1).

Foi para isso que Seu Filho veio, não somente morrer, mas ressuscitar para nos dar nova vida. A instituição, trabalho, atividades, programas, estruturas devem ser ferramentas e não o fim de tudo. Será que transformamos o meio em fim, em finalidade?

Novamente saímos da cidade, fomos salvos; depois de discipulados, nosso desafio é o mesmo que Deus deu a Abraão – sai e vai (Gênesis 12.1,2).

Esse não é apenas o papel dos missionários, que lutam e sofrem muito para cumprir com seu dom e devemos enviar muito mais missionários, mas isso não nos dispensa de sermos testemunhas vivas e reais em nosso ambiente, em nosso meio de influência. Precisamos voltar à cidade, ao campo, ao mundo de onde viemos e demonstrarmos um Evangelho vivo e transformador que vá além do que seja institucional, pro- gramático.

Assim , político deve assumir o púlpito? A pergunta é outra, estamos discipulando aqueles que se entregam para Jesus para que sejam bons políticos, bons governantes, bons juízes, bons empresários, bons executivos, bons profissionais liberais, bons carpinteiros, bons comerciantes? Exercendo sua influência onde vivem e onde atuam com os valores cristãos, com vida transformada? Ou será mais fácil continuarmos como estamos vivendo como se fosse uma espécie de “monte da transfiguração” de final de semana, centralizados no templo e em cumprir programas, atividades e eventos? O final de semana deverá ser um tempo de descanso, celebração, comunhão entre os irmãos, mas como resultado também de uma vida transformada e transformadoras.

Mais ainda, como Igreja e líderes, necessitamos, com urgência, priorizar a compreensão dos dilemas do mundo contemporâneo em busca de soluções e estratégias bíblicas para encontrar caminhos de modo que o crente possa SABER viver, mais do que sobreviver, nesse complexo mundo, vulnerável, incerto e ambíguo. Assim poderemos também dar caminhos para que os discípulos, homens e mulheres, que viverão sua vida no mundo concreto possam ser muito mais sal e luz, revolucionando o mundo com os valores cristãos (Atos 17.6).

Em artigo futuro vamos aprofundar esse tema destacando a grande narrativa missional de Deus com a Sua mão abençoadora e restauradora ao mundo a partir do protoevangelho prometido por Deus em Gênesis 3.15 e do chama­ do de Deus para Abraão para as nações (Gênesis 12.1,2).

Pr. Lourenço Stelio Rega
rega@ batistas.org/Extraído de O Jornal Batista

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