Político pode usar o púlpito de minha Igreja? Parte I

1174
Foto: Ilustrativa.

É uma pergunta frequente, que tenho ouvido ultimamente. Há colegas pastores e líderes que entendem que o púlpito não é lugar para político discutir política, apenas para a pregação da Palavra de Deus. Um outro grupo entende que devemos abrir espaço no púlpito para a discussão do cotidiano e não veriam problema com isso. Há ainda quem entende que seria possível abrir espaço para que políticos de diversos partidos pudessem ter a oportunidade de apresentar seu programa de atuação e ainda outros para os quais seria lícito até abrir espaço para um debate entre políticos diante da Igreja reunida.

Entendo, por outro lado, que o tema necessita ser compreendido em nível mais profundo do que apenas essas possibilidades ou mesmo que a pergunta deveria ser até outra, especial­ mente quando vejo a ação da Igreja primitiva no seu contexto e, ainda mais, o cumprimento de uma estratégia essencial que Jesus nos deixou antes de partir ou mesmo a descrição de como deveria ser a nossa natureza diante do mundo em que vivemos.

Em primeiro lugar, quando leio Atos 17.6,7 e observo a intensa atuação da Igreja no ambiente em que vivia, Paulo e Silas chegam a Tessalônica, na sina­ goga, e discorrem sobre as Escrituras, diversas pessoas aceitam o Evangelho, inclusive gregos. Os judeus, inundados por raiva, procuraram as autoridades gregas da cidade para apresentar a denúncia por meio das seguintes palavras: “Estes que têm transtornado o mundo chegaram também aqui … todos estes procedem contra os decretos de César, afirmando ser Jesus outro rei”.

Eu já ouvi pessoas entendendo que os crentes daquela época simplesmente pregavam o plano da salvação e isso provocava todo esse alvoroço, mas considerando a narrativa do Novo Testamento é possível notar muito mais do que isso, pois a vida das pessoas após a conversão pro­ movia alterações em seus valores, que entravam em choque com os valores adotados naqueles contextos. Como, por exemplo, seria possível um escravo considerar seu proprietário, não como dono, mas como irmão (I Timóteo 6.1 – 6)? A Filemon, Paulo admoesta que considere seu escravo Onésimo como amigo (Filemon 1.6). Tudo muito estranho para a cultura e vivência prática daquela época. E isso é só um entre muitos exemplos.

Além disso, vamos lembrar que naquele cenário do primeiro século, nem todos moravam em casas, muitos viviam em estilo nômade de vida, iam para onde havia trabalho. Aliás Paulo era um “construtor” fabricando casas- -tendas (Atos 18.1 -3). Ao viverem in­ tensamente os valores cristãos como testemunhas vivas e se mudando de lugar para lugar, estavam colocando em risco o sistema de vida vigente, bem como aquela cultura e seus valores, uma vez que os valores do Cristianismo traziam elevados princípios.

Então, era muito mais do que simples­ mente pregar o plano da salvação, era viver na prática os ideais do Evangelho com vida renovada e transformada.

O destaque do texto de Atos 17 acima, nesse momento é para a frase “Estes que têm transtornado o mundo chegaram também aqui” (v.17). O verbo “transtornar” no original grego (vao Ta Tówanastatoo) aponta para o fato de que eles estavam “virando o mundo de cabeça para baixo” (veja Eerdman’s Exegetical Dictionary ofthe New Testament, Vine’s Complete Expo- sitory Dictionary). Em outras palavras estavam como que “revolucionando” o mundo da época.

Há dados estatísticos da época que demonstram um crescimento de 0 a 50% da Igreja, em relação à população do império, em seus primeiros 300 anos. E aí a ameaça já era demais, a ponto de o imperador Constantino as­ sumir o comando da situação quando, no ano de 325, transforma o Cristianismo em religião oficial do Império. Vamos lembrar que os judeus já haviam perdido o templo que fora destruído no ano 70 da era cristã pelo general Tito e já não tinham onde adorar, tendo perdido o seu símbolo centralizador de sua religiosidade.

E aqui dou uma pausa para indagar se, como Igreja evangélica no Brasil, fomos efetivos não apenas em fazer missões e evangelizar a nação, mas também e especialmente, em “trans­ tornar” esse país com o modo cristão de ser, pensar e viver? Será que esse nosso país seria hoje como é com tanta injustiça, corrupção, promiscuidade e tantas outras mazelas que nos causam tristeza?

Será que nossa cultura eclesiástica e ministerial acabou nos restringindo tanto a alimentar-nos institucional­

mente, centralizando também nossa vida eclesiástica no domingo, no tem­ plo, dependendo do púlpito e transformando o Cristianismo em atividades, eventos, programas e estruturas a ponto de sermos como mosteiros de final de semana, em que os crentes são preparados para viver essa cultura “centrípeta” (voltada para dentro de si), nos preparando para a volta de Cristo e nem sempre preparados para sermos sal e luz no mundo?

Vejo muita notícia triunfalista de líderes que, de forma triunfalista, pro­ pagam que já somos quase 40 milhões de evangélicos, temos uma frente par­ lamentar evangélica etc. etc. Mas, ao lado disso tem se multiplicado a quantidade de situações que não trazem assim tanta animação para a atuação de evangélicos no cenário político e mesmo empresarial brasileiro. Somos milhões, mas temos milhões de pontuação em credibilidade de vida, honestidade, firmeza de caráter e modelo cristão de vida, em situações como estas? Será que quantidade, sem qualidade de vida poderia ter sustentação e peso na construção da história desse país?

Como você poderia me ajudar a responder essa pergunta? Que Brasil teríamos e seríamos se houvesse efetividade nossa como evangélicos no país?

No próximo artigo vamos ampliar essa caminhada em busca de segura resposta para a nossa pergunta inicial.

Pr. Lourenço Stelio Rega
rega@ batistas.org

Deixe uma resposta