Devemos celebrar o Natal?

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Com a proximidade do Natal, é comum ouvirmos mensagens, estudos e debates acerca da legitimidade dessa comemoração no contexto evangélico. Há quem se posicione de maneira contrária, argumentando que tal celebração é estranha ao cristianismo, pois se originou no seio do paganismo. Outros, advogando a mesma postura, utilizam outro argumento. Dizem que, por Jesus não ter nascido no dia 25 de dezembro, não devemos celebrar tal festa. Por outro lado, há ainda aqueles que, mesmo professando a fé cristã, defendem a realização da festa, assim como a utilização de todos os elementos que lhe são inerentes.

Diante de tantos discursos a respeito de uma das festas mais famosas do mundo, quem está com a razão? O crente deve celebrar o Natal ou não? Decerto, tais questionamentos permeiam os pensamentos dos membros de nossas igrejas. A fim de elucidar tais indagações, proponho-me neste artigo a discorrer sucintamente sobre o tema à luz de uma perspectiva histórico-fenomenológica, pontuando as particularidades inerentes à origem de tal prática e analisando sua interpretação atual.

Inicialmente, é necessário destacar algumas verdades acerca do assunto. Uma delas é o fato de que a celebração realizada no dia 25 de dezembro tem sua origem na religião pagã, mais precisamente no culto prestado ao deus-sol, a outra é o total desconhecimento histórico sobre a data correta do nascimento de Jesus. Realmente essas afirmações são genuínas, porém, como concluiremos mais à frente, não constituem justificativas plausíveis para a abolição da comemoração. Não obstante, antes de chegarmos a tal conclusão, é necessário apontar os fatores que contribuíram para que, mesmo diante dessas informações, o Cristianismo abraçasse essa festa.

Certamente, um dos grandes responsáveis por esse sincretismo foi o imperador romano Constantino, o qual, no início do século IV, emitiu o famoso “edito de Milão”, fazendo cessar a perseguição sobre a Igreja e permitindo a expansão da fé cristã. Porquanto, de acordo com Justo González (1995), embora ele, aparentemente, tenha se convertido ao Cristianismo, sua interpretação da fé cristã não o impedia de adorar outros deuses. Assim, ainda que construísse igrejas e proclamasse leis favoráveis aos cristãos, Constantino nunca abandonou o culto do deus-sol, conhecido entre os romanos como Sol Invicto. Tal postura, segundo González (op. cit., p. 33), foi motivada pela maneira como enxergava a divindade cristã, visto que “[…] durante boa parte de sua carreira política, pensou que o Sol Invicto e o Deus dos cristãos eram o mesmo ser” […]. Este posicionamento é retratado por Duruy (apud. MABIRE, op. cit., p. 69), o qual “assinala que Constantino compôs para ser recitada ao domingo pelas legiões uma oração que tanto podia satisfazer os adoradores de Mithra, como os de Serápis, do Sol e do Cristo”. Ademais, González (op. cit.) ressalta que até o ano 320 Constantino manteve a imagem do sol cunhada nas moedas romanas.

Mais à frente, sob o reinado de Teodósio, o Cristianismo acabou por tornar-se a religião oficial do império romano. Por conta disso, Teodósio, em 392 d.C, proibiu definitivamente os cultos pagãos, tanto privados quanto públicos. Tudo isso com o fito de tornar universal a fé abraçada pelo império. Contudo, as tradições relativas ao paganismo permaneciam vivas nas zonas rurais. Em função disso, conforme explica Mabire (op. cit.), a Igreja optou por integrar os elementos pagãos que se mostravam desenraizáveis, dando-lhes um novo significado. Isto é, a ideia era dar uma roupagem cristã às celebrações pagãs.

Destarte, as festas que comemoravam os solstícios, foram substituídas por celebrações cristãs, as quais até hoje fazem parte do calendário religioso. O maior exemplo disso é o Natal, comemoração que foi sobreposta à antiga festa realizada no solstício de inverno (ocorrido em dezembro no hemisfério norte), cuja motivação religiosa era o nascimento do deus Mitra, o Sol Invicto.

Um exemplo claro dessa assimilação é a tradicional árvore de Natal. Este elemento era comumente utilizado, pelos povos germânicos, por ocasião do solstício de inverno. A árvore recebia uma série de enfeites relacionados ao sol, a saber, velas, bolas multicolores e uma roda solar no topo. A esse respeito cabe salientar que os pagãos, sobretudo os indo-europeus, sempre atribuíram sacralidade às árvores. Há, inclusive, na mitologia nórdica uma árvore sagrada associada à vida e ao conhecimento, denominada yggdrasil.

No entanto, mesmo que a festa em questão, assim como seus elementos sejam de origem pagã, é importante ressaltar que isso não significa que o fato de celebrarmos o Natal nos transforme em pagãos. Até porque, ao longo do tempo, a antiga festa pagã foi praticamente esquecida. Aquilo que as pessoas fazem hoje durante o período do Natal não tem ligação nenhuma com a adoração do Sol Invicto. A maioria das pessoas nunca ouviu falar nesse tal de Mitra. Trata-se de uma divindade falecida. Ninguém lembra mais dela. Foi relegada ao esquecimento. Da mesma forma, quem usa os enfeites de Natal, por mais que alguns extremistas encontrem significados pagãos em cada um deles, ninguém usa, hoje em dia, uma árvore de Natal pensando em Odin, em yggdrasil (as pessoas nem sabem pronunciar isso!). Todos veem esses objetos como ornamentos. Por isso, os utilizam com uma finalidade exclusivamente decorativa.

Dizer que quando alguém usa esses objetos está trazendo maldição sobre a sua vida é um completo absurdo. Porquanto, em momento algum, a Bíblia afirma que podemos receber “maldições” através de objetos (eu hein!). Só quem pode amaldiçoar é Deus. Porém, a maldição que estava sobre nós, o pecado, foi retirada por Cristo na cruz do Calvário.

Quanto à data na qual a celebração é realizada, quero sublinhar que 25 de dezembro não é o dia do deus-sol. Sem dúvida, um dia foi, mas há muito tempo deixou de ser. Você conhece alguém que celebra o Sol Invicto nessa data? Nem eu. Se dissermos hoje que a referida data é o dia do deus-sol, estaremos dando a essa divindade uma data específica, como se ela fosse dona desse dia, e, por outro lado, estaremos negando a Jesus uma data (“essa não pode Senhor, já tem dono” – que absurdo!).

Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de celebrarmos o nascimento de Jesus na data em questão. Mesmo que não seja a data em que Ele nasceu, qual o problema? Só porque não sabemos qual foi o dia exato de seu nascimento não podemos celebrá-lo? Ora, a páscoa é celebrada todos os anos em datas diferentes e ninguém fala nada. Alguns, defendendo a ideia de não celebrar o Natal, dizem: “temos que celebrar o nascimento de Jesus todos os dias!” Sinceramente, isso só piora as coisas. Eu não posso separar uma data específica para comemorar o nascimento de Cristo, só porque há dois mil anos atrás esse era o dia do deus-sol, mas posso fazer isso todos os dias. Será que essas pessoas já pararam para pensar que os outros dias do ano também podem ter sido dedicados a divindades pagãs? Assim, estaríamos correndo o mesmo risco.

Cabe, entretanto, à Igreja de Cristo celebrar, na data em pauta, o nascimento de Cristo, não o capitalismo. Para tanto, é necessário expulsar da festa os elementos que, por conta de seu significado atual, tiram Jesus do centro dessa comemoração. É o momento de aproveitarmos para proclamarmos a Palavra de Deus, não um monte de baboseiras que nos fazem mais parecermos fanáticos religiosos do que servos de Cristo. É bom aproveitarmos a tradição de reunir as pessoas na noite de Natal para anunciar o verdadeiro significado da festa, cantar louvores ao Senhor e exercitar a comunhão. Não celebrar o Natal é perder a oportunidade de anunciar as Boas Novas.

Os problemas da atual celebração natalina não estão associados à sua origem pagã ou ao fato de não ser a data do aniversário de Jesus. O que mais descaracteriza a festa é o caráter comercial que ela adquiriu com o passar do tempo. Isto sim é extremamente problemático. Há pessoas que associam tal comemoração com o recebimento de presentes. É isso que ensinamos aos nossos filhos quando seguimos a correnteza. Além disso, há uma figura que assume um papel de maior destaque que o próprio Jesus, a saber, o Papai Noel. Isto porque ele dá presentes.

Podemos celebrar o Natal desde que Jesus seja o centro de nossa festa. Não devemos permitir que os símbolos natalinos, as roupas novas ou os presentes sejam mais importantes que o nascimento de Cristo. Não podemos realizar a Ceia de Natal somente para comermos bacalhoada e rabanadas, mas é necessário enxergar o momento como uma oportunidade de exercitar a comunhão. Vamos fazer cantatas em nossas igrejas, convidar os vizinhos e parentes, e assim lhes anunciar que só Jesus Cristo Salva!

Pr. Cremilson Meirelles


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MABIRE, Jean; VIAL, Pierre. Os Solstícios: história e actualidade. Tradução de Nuno de Ataíde. Lisboa: Hugin, 1995.
GONZÁLEZ, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Gigantes. São Paulo: Vida Nova, 1995.

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