O grande professor (scholar) de Yale, Jaroslav Pelikan, definiu sabiamente a diferença entre tradição e tradicionalismo. Este é a fé morta dos que vivem e aquela é a fé viva dos que morreram. Estamos mais para o tradicionalismo em nossas igrejas do que para a tradição. No tradicionalismo, o homem, as instituições, são o centro, a razão das coisas. Há uma busca desenfreada pela aparência, pela visibilidade. É impressionante como os tradicionalistas fazem questão das coisas pequenas, que nada acrescentam. São os chamados legalistas de plantão. São como os religiosos da época de Jesus que só viam o cisco no olho do próximo e não enxergavam a trave no seu olho. Eles eram sepulcros caiados – bonitos por fora e podres por dentro (Mateus 23.27). O tradicionalismo é uma doença caracterizada pela megalomania, pela vontade intensa de se projetar, de publicar seus feitos em toda a parte. Apreciam os outdoors. São religiosos de final de semana. Valorizam mais a organização do que o organismo. Não fazem questão de comungar com os irmãos. Estão vivos, mas a fé está morta. Vivem no mundo platônico, no mundo das ideias. Um dos seus verbos preferidos é TER – ter nome, cultura, influência, relacionamentos interesseiros, primazia no meio da igreja e da sociedade e opinião que prevalece.
O tradicionalismo está centrado no ego. Ele valoriza muito a aparência e o passado. Aliás, vive de passado. Não há sensibilidade, empatia e muito menos simpatia. É insuportável viver com um tradicionalista. Paulo enfrentou o tradicionalismo nas várias cidades por onde passou. Era composto de judeus que “obedeciam à fé”. Paulo os chamou de inimigos da cruz de Cristo, cujo deus é o ventre e só se preocupam com as coisas terrenas (Filipenses 3.19). O tradicionalismo é implacável com os que erram. Pune implacavelmente à luz do legalismo que lhe é peculiar. Tem dificuldade, à semelhança do irmão mais velho da parábola do pródigo, de perdoar, aceitar e comungar. É impressionante a dureza de coração dos tradicionalistas. Eles querem que a sua opinião sempre prevaleça. Tem dificuldade de aceitar o maltrapilho, o pária da sociedade. Os pressupostos da sua agremiação são mais relevantes do que o evangelho de Cristo. Lidar com pessoas tradicionalistas é entrar num campo minado pela incredulidade, arrogância e falsidade ou hipocrisia. Ser um tradicionalista é valorizar mais os pensamentos do homem do que os pensamentos de Deus. Valorizar o aparente em detrimento do interior.
A tradição, por outro lado, é uma caminhada olhando para a suficiência de Cristo. Inspira-se no testemunho dos cristãos genuínos do passado. A tradição liga o passado ao presente visando a construção de um futuro promissor. Tradição significa valorizar os homens e mulheres do passado como aqueles que são mencionados em Hebreus 11 – a galeria dos heróis da fé. Ela valoriza mais o homem do que a instituição. Vive pelo ser. Tradição é a história daqueles que viveram pela fé em tempos turbulentos, tempestuosos, de perseguição implacável. A tradição enseja a busca constante pelo Transcendente, pelo Senhor. Ela considera os erros do passado visando os acertos do presente como matéria prima para a construção de um futuro digno. Tratando-se de tradição cristã, a Pessoa de Cristo é central. A Sua Igreja é constituída de homens e mulheres que viveram e vivem pela fé na suficiência de Cristo. Tradição é contar para os filhos e netos os feitos extraordinários de Deus na História. Essa tradição não é extática, mas dinâmica. Não vive simplesmente do passado, mas tem um olhar clínico no presente, planejando para o futuro. Na Bíblia, temos a tradição dos patriarcas, sacerdotes, reis, profetas e apóstolos. Ela é um legado rico de experiências com o Senhor e com o próximo. Não é um fim em si mesma. É um meio de benção. Uma escola rica em histórias dos milagres de Deus na vida do Seu povo. Ser tradicional é olhar para o futuro com fé, confiança e esperança. Jesus nos deixou o evangelho do Reino. Ele amou a Igreja morrendo por ela. Não sou um tradicionalista, mas um tradicional, conservando as doutrinas do Evangelho de Cristo e amando as Escrituras. Não tenho visão de galinha, mas de águia. Não quero ficar imerso em mim mesmo, mas nas águas cristalinas da graça de Deus em Cristo Jesus. Viver do e no precioso Espírito Santo.
Precisamos valorizar a nossa tradição cristã riquíssima em manifestações da graça, dos feitos portentosos de Deus na História. Precisamos nos assentar com os nossos filhos e contar-lhes acerca da fé viva dos que morreram. Tradição é imitar a fé dos que já estão com o Senhor. Olhar para a fé de Abraão, a persistência de Jacó, a coragem de Davi, a firmeza de Elias, a fidelidade e a pureza de Daniel, a intrepidez e a ousadia de João Batista. A tradição olha para o passado como uma experiência de fé, pois são lições valiosíssimas para o nosso crescimento espiritual, a nossa maturidade cristã. A tradição cristã olha para o porvir com esperança. O mesmo Jesus que esteve outrora com os nossos irmãos, está conosco hoje e estará no futuro. Vivamos a tradição cristã, amando ao Senhor de todo o nosso coração e ao próximo como a nós mesmos. Socorramos os aflitos e amargurados de alma. Graças ao Pai, Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre (Hebreus 13.8). Ele é a nossa tradição segura. Aquele que nos libertou da escravidão do tradicionalismo para a vivermos a autenticidade da Sua tradição conquistada na cruz e ressurreição.
Pr. Oswaldo Luiz Gomes Jacob
Colunista deste Portal